sexta-feira, dezembro 31, 2010

Sante Scaldaferri conta sua trajetória nas artes plásticas

Terra Magazine, 31.12.2010

Faz-se necessário dizer, diante de tantas incompreensões de leigos sobre o meu trabalho, que este meu texto é, exclusivamente, para esclarecer esta fase de minha obra. Desejo prestar a minha homenagem aos que, na cidade do Salvador, nele acreditou. A eles dedico este texto.

Será necessário um ligeiro retrospecto. Na década de trinta dominavam em Salvador os artistas acadêmicos, na maioria, professores da Escola de Belas Artes. Alguns, os mais conhecidos e importantes na época, foram estudar em Paris e na Itália. No retorno, diziam-se impressionistas, que foi uma linguagem revolucionária surgida na segunda metade do século XIX. Nos anos trinta do século XX, já existiam os Nabis, os Fauves, o Abstracionismo, o Cubismo, o Expressionismo, o Futurismo, o movimento Dada, o Surrealismo, para somente citar algumas das novas linguagens que não foram por eles absorvidas.

Em fevereiro de 1922, acontece em São Paulo a Semana da Arte Moderna, movimento liderado por Oswald de Andrade, levado a cena no Teatro Municipal de São Paulo, onde a cada dia um artista apresentava sua tendência de cultura e arte. O movimento nasceu exclusivamente para exaltar culturalmente a cidade de São Paulo, apesar de participarem deles artistas nordestinos e cariocas, como Vicente do Rego Monteiro e Di Cavalcanti. Um pouco mais tarde em Recife, Cícero Dias assume o Surrealismo. Porém, a meu ver, este movimento assume uma característica muito importante para a arte e a cultura brasileira, devido à abrangência que tomou em todo o país.

O movimento começou e foi tomando corpo devido a que vários de seus artistas participantes estudavam na Europa ou muito para lá viajavam. Isso facilitou verificarem o grande movimento renovador das artes no princípio do século XX e absorverem as várias linguagens. O mais importante é que a temática usada na absorção das linguagens era transfigurada e tinha forte conotação nacionalista. Não foram simples imitadores.

O movimento começou a decair quando no Brasil começou a penetrar a arte abstrata. Mas em compensação, e ainda na década de 20, começaram a surgir os literatos nordestinos e logo após os pintores tentando obter uma identidade nacional para a nossa arte. Em 1932, volta de Paris o pintor baiano José Tertuliano Guimarães. Ele, apesar de não absorver nenhuma das novas linguagens contemporâneas da época, conseguiu compreender a pintura de Cézanne que muito o influenciou e, com isso, foi o primeiro a dar um passo adiante do que aqui era chamado de impressionismo. José Guimarães também inovou realizando pela primeira vez trabalhos recriados sobre a cultura afro-baiana, que ilustraram o número 4 da Revista SEIVA, de maio de 1939, todo ele dedicado ao negro. Esta diferença, e o rompimento com os procedimentos anteriores, lhe conferem a maior importância nas artes plásticas baianas. Assim ele se torna o primeiro artista a começar a diminuir a defasagem entre a arte anacrônica praticada na Bahia e as novas linguagens.

O modernismo começou a surgir em Salvador no meio da década de quarenta com a primeira geração de artistas plásticos modernos da Bahia. Portanto vinte anos depois da Semana de Arte Moderna de 22, que também começou com vinte anos de atraso. Enquanto tudo isso acontecia, pouco ou nada sabíamos do que acontecia na arte contemporânea da época. Daí a importância dos meios de comunicação, principalmente os jornais e revistas que começavam a publicar reportagens, textos de críticos de arte, e a divulgarem as novas linguagens. Atualmente, e infelizmente, na maioria dos jornais brasileiros, foram eliminadas as colunas de crítica de arte.

Na década de cinqüenta, a Escola de Belas Artes, fundada em 1877, seguia os padrões da Escola de Belas Artes de Paris. O que se ensinava a partir do modelo clássico eram as técnicas e as cadeiras teóricas de arte. Os professores falavam que a escola não fazia artistas. O que eu acho inteiramente certo. Somente quem tem talento, quem recebe o carisma dado pelo Divino Espírito Santo, consegue, com o aprendizado das técnicas, expressar o que vai na sua mente e em sua alma - naturalmente com muito estudo teórico e atualização nas linguagens contemporâneas. Com a posse destes elementos, pode-se conseguir ser um artista. Agora, o reconhecimento de um bom artista atualizado é trabalho da crítica de arte.

O contato com estudantes de arte de outros estados, em congressos e no que naquele tempo se chamava "embaixadas", o começo da introdução da arte moderna na cidade, realizada por artistas de fora da escola, a entrada da EBA na Universidade Federal da Bahia, a realização de concursos para professores foram, entre outros, fatores que contribuíram para a introdução, não tranqüila, da arte moderna na escola. Pessoalmente, além destes fatores, o que me influenciou a seguir a temática da arte e cultura popular do Nordeste transfigurada e adotando uma linguagem contemporânea foi a cadeira de Estudos Brasileiros, a leitura sobre os movimentos messiânicos e de autores brasileiros com esta temática.

Formei-me em Pintura pela nossa Escola de Belas Artes em 1957, quando começava o surgimento da segunda geração de artistas plásticos modernos da Bahia. Apesar da ruptura da primeira, a posterior encontrou ainda muitas dificuldades. No ano anterior já havia conhecido, e participava de atividades artísticas e culturais juntamente com Alberico Motta, Ângelo Roberto Mascarenhas de Andrade, Carlos Anísio Melhor, Florisvaldo Mattos, Fernando da Rocha Peres, Fernando Rocha, Frederico José de Souza Castro, Glauber de Andrade Rocha, José Julio de Calasans Neto, José Turisco, José da Silva Dultra, João Carlos Teixeira Gomes, João Eurico Matta, Julia Conceição Fonseca Santos, Lina Gadelha, Nemessio Salles e Paulo Gil de Andrade Soares, componentes da hoje chamada "Geração MAPA".

Estes jovens de então deram uma grande contribuição para a implantação da arte moderna na Bahia em todas as linguagens artísticas, e os remanescentes continuam atualizados e produzindo até hoje. Eles tiveram a fortuna de participar do maior e mais fecundo período cultural da Bahia durante o reitorado do Dr. Edgard Santos.

Como disse, desde 1957, influenciado por uma cadeira, hoje extinta, chamada "Estudos Brasileiros", comecei a elaborar o conteúdo da minha pintura. Esta cadeira dava uma visão geral do Brasil, não com profundidade, mas abrangendo todos os campos de nossa cultura. O catedrático era o psiquiatra e poeta Hélio Simões. Ele dava a aula inicial e poucas outras, mas durante todo o ano letivo as aulas eram proferidas por Carlos Eduardo da Rocha e Cid Teixeira. Pertencente a esta cadeira e em anexo, havia um pequeno museu onde constavam alguns objetos de artesanato do Nordeste, de antropologia, de etnologia, fotografias, santos barrocos, urnas funerárias indígenas, arcos, flechas, objetos em fibra, objetos de cerâmica e uma coleção de ex-votos. Daí surgiu a minha paixão.

Só para dar um exemplo da riqueza do Nordeste, o Brasil possui cinco regiões geográficas com três trajes típicos nacionais, o Vaqueiro, a Baiana e o Gaúcho. Afortunadamente a Bahia possui dois deles.

Talvez possa falar um pouco e, resumidamente, do reitorado do Dr. Edgard Santos, simplesmente por tê-lo vivido. Foi certamente o grande momento da arte e da cultura na Bahia. Foi um período de grande efervescência cultural e uma referência da Bahia na cultura brasileira e também internacional. Tenho que avisar não ser um saudosista, caso contrário não estaria fazendo arte digital, produzindo INFORGRAVURAS. Porém tenho saudades. Existe uma grande diferença em ter saudades e em ser saudosista. Mas para se ter uma compreensão do que ocorreu, primeiramente acho que devo falar da infra-estrutura que foi implantada no âmbito da Universidade Federal da Bahia e também do Governo do Estado da Bahia, com o Teatro Castro Alves e o Museu de Arte Moderna.

O projeto inicial do teatro foi do arquiteto Alcides da Rocha Miranda, um dos maiores arquitetos brasileiros, e compunha-se de dois blocos e um "foyer". Um dos blocos destinava-se ao ensino do teatro e o outro a representações teatrais. O argumento em favor da mudança para um novo projeto foi que o primeiro era muito complexo e a sua construção iria demorar muito. O atual é de autoria do arquiteto José Bina Fonyat e do engenheiro Umberto Lemos Lopes, que aproveitaram somente o "foyer" que já estava construído.

Vítima de um incêndio no fim do governo Antônio Balbino, o pagamento do seguro foi suficiente apenas para reconstrução da estrutura, ficando assim o TCA carente de equipamentos para o seu funcionamento.

Neste espaço começou a funcionar provisoriamente, no Governo Juracy Magalhães, o Museu de Arte Moderna da Bahia, que deveria possuir posteriormente uma sede própria. Após a conclusão da Avenida de Contorno e a restauração do Solar do Unhão, o MAM se muda para lá, também provisoriamente, porque naquele espaço deveria ser implantado o Museu de Arte Popular.

O MAM prestou um grande serviço às artes plásticas baianas. Começou mostrando os artistas abstratos, completamente desconhecidos em Salvador. Depois realizou exposições de grandes artistas nacionais e internacionais, exposições didáticas, a apresentação dos grandes artistas que haviam sido expostos na Bienal de São Paulo e um grande programa votado para os jovens artistas. No seu amplo palco foi construída uma arquibancada e levadas a cena pelos alunos da Escola de Teatro peças memoráveis como "A ópera dos três tostões" de Bertolt Brecht com música de Kurt Weill, tocada na época por um conjunto dos Seminários de Música, e "Calígula" de Albert Camus.

Foram inauguradas as Escolas de Teatro, Dança e os Seminários de Música, que mais tarde se transformariam na Escola de Música, e houve a inclusão da Escola de Belas Artes na Universidade Federal da Bahia.

O fantástico era a integração entre estas escolas, que sempre realizavam projetos em conjunto. Formou-se uma excelente orquestra onde foram incluídos músicos estrangeiros, e os concertos eram na Reitoria. Foi apresentado ao público o que havia de mais atual na música internacional, como aulas teóricas sobre o Dodecafonismo e concertos dodecafônicos, principalmente dos compositores Theodor Adorno e Arnold Schömberg e concertos clássicos. Ao mesmo tempo eram dadas aulas para jovens instrumentistas que afluíam de todo o país. A orquestra da Universidade Federal da Bahia apresentou pela primeira vez, e completa, "Carmina Burana", canções e poemas medievais musicados por Carl Orff. E também apresentou pela primeira vez mundialmente o "Octeto de Metais" de Paul Himdemith.

A Escola de Teatro recebeu inúmeros professores e artistas que trabalhavam ao lado dos jovens atores para lhes transmitir a experiência. Na escola, além da leitura de peças havia todas as cadeiras inerentes à formação profissional. Lecionou uma professora, cantora lírica, que ensinava a impostar a voz - o ator em cena projetava a voz, não gritava. Além de grandes encenações de peças clássicas e fundamentais para o ensino, dava-se muita importância aos autores brasileiros que iniciaram o nosso teatro. A Escola de Teatro obteve por doação, se não me engano da Ford Foundation, o primeiro ciclorama do Brasil. Um grande avanço na época devido a sua nova tecnologia.

Por sua vez a Escola de Dança mostrou a dança moderna, também por nós desconhecida naquela época. Todos esses movimentos eram para a formação de jovens artistas e a nossa geração, hoje chamada de "Geração MAPA", foi muito prestigiada em seus projetos e praticamente todos começaram aí sua vida profissional em suas respectivas áreas. Não falei dos nomes de nenhum artista ou professor, para evitar os costumeiros esquecimentos e procurei resumir ao que pude.

Durante o período escolar, já participava de salões e pintava ao ar livre. No final de meu curso, fui o primeiro aluno a fazer uma exposição individual na Escola de Belas Artes, mostrando todos os meus trabalhos escolares e os realizados fora da Escola. No ano seguinte expus na Galeria Domus. Em 1959, outra exposição na Pequena Galeria da Biblioteca Pública, e, em 1960, no Diretório Acadêmico da EBA. Neste mesmo ano, Mario Cravo, eu e Calasans Neto fizemos uma exposição na Galeria Macunaíma, no Rio. Então não parei mais. Graças a Deus, com saúde, aos 82 anos, continuo trabalho diariamente.

Sobre Cultura e Arte Popular Brasileira - Por Sante Scaldaferri

Por Sante Scaldaferri (Salvador, BA 1928 - Pintor, gravador, tapeceiro, ator, cenógrafo, professor)

Se queres ser universal, comece por pintar a sua aldeia. Leão Tolstoi (1828-1910)

É muito importante a preservação das manifestações espontâneas da nossa cultura popular. Principalmente as do Nordeste, de uma riqueza imensa. Todas as manifestações populares do povo do Nordeste, como artesanato, arte e cultura, messianismo, religiosidade, as represento através da apropriação do ex-voto, que, no meu trabalho, é um signo/símbolo para expressar toda esta riqueza, todo o meu pensamento e todo o meu sentimento. Desde o início da minha carreira que penso assim. O surgimento da obra de arte na minha pintura é decorrente da transfiguração de uma temática abrangente da cultura e arte do Nordeste brasileiro, associada a uma linguagem contemporânea internacional vigente na época. A forma muda conforme aparecem novas linguagens, mas o conteúdo permanece o mesmo. É uma busca incessante por uma identidade cultural brasileira. Isto acontece até hoje, sempre coerente com o meu pensamento, sem fazer qualquer tipo de concessão.

As nações desenvolvidas que possuem uma grande tradição de cultura e arte, a começar pelos clássicos Gregos e Romanos, sempre mudaram, ao correr dos tempos, a forma de suas criações artísticas. Surge, assim, o que hoje chamamos de linguagens contemporâneas. Estas linguagens, que surgiram não importa o país de origem, levavam muito tempo para serem adotadas internacionalmente.

Hoje, devido aos meios de comunicação cada vez mais eficientes, elas chegam com muita rapidez, são adotadas e se extinguem também muito depressa, dando lugar ao aparecimento de outras novas. No mundo globalizado, cada nação valoriza sua cultura, sua arte popular e sua arte erudita, sem haver, entretanto, nenhuma supremacia entre elas. Mas o que é representativo no mundo da arte internacional é a arte erudita. No meu trabalho, dentro da fase antropomórfica, usei a linguagem pop acoplando ex-votos originais aos suportes das pinturas. Alguns destes trabalhos fizeram parte da Representação Brasileira à 21ª Bienal Internacional de São Paulo. Anteriormente já havia participado mais duas vezes desta importante Bienal.

No Brasil, todas as linguagens contemporâneas estão em evidência, com nossos artistas expondo inclusive no exterior. Valorizar uma em detrimento da outra, seja por qualquer motivo, inclusive político, é um equívoco. Não respeitar e excluir os artistas que no passado remoto ou recente deram ou continuam dando uma grande contribuição à arte e cultura local, com certeza, é uma atitude intolerável de censura. É uma atitude inconcebível numa democracia. Entretanto é passageira, porque ela não destrói a obra, apenas a ignora. Por isso sempre digo e repito: o importante em qualquer artista é a sua obra. Se a obra foi elaborada dentro de uma linguagem contemporânea da época, com certeza ela já está na História, e permanecerá, mesmo que seja de um artista erudito, popular ou mesmo um artesão. Um bom exemplo é o pintor "naif" ou "primitivo" francês Henri Rousseau, chamado Le Doanier, por ser inspetor de alfândega. Podemos citar alguns pintores primitivos brasileiros que já estão na nossa história, como Heitor dos Prazeres, José Antonio da Silva, Cardoso e Silva, Silvia Leon Chalreo, Aurelino, João Alves, Manezinho Araújo e muitos outros. O que prevalece nos artistas eruditos, e nos primitivos, é que eles possuem uma obra. O que é mais importante em um artista é a sua obra. Esta é o que fica.

Foram os ditadores nazistas, fascistas e comunistas que tentaram destruir a arte contemporânea da época, no período em que exerciam o poder. Hitler mandou fechar a Bauhaus, a grande escola de design, e chamou a arte da época de "arte degenerada". Ou na época de Stalin que, igualmente aos outros, decretou a arte realista como a oficial. Os artistas deviam exaltar o partido e seus governantes. Com isso a grande maioria teve de fugir para a França ou Estados Unidos, onde produziram suas obras, que hoje estão em diversos museus do mundo.

No período ditatorial brasileiro, sucedeu a mesma coisa. Muitos artistas, de várias linguagens, sofreram terríveis perseguições. Porém aqui não é o caso de detalhar, mas somente dizer que, hoje, muitos estão em evidência no cenário da arte e da cultura no Brasil. Sendo que alguns são artistas eruditos que usaram a temática popular.

Em nosso país foram os literatos os primeiros a trabalhar a identidade cultural brasileira. Eles começaram pela transfiguração da cultura popular do Nordeste. José Américo de Almeida foi o primeiro com "A Bagaceira", de 1928. Depois vieram muitos, entre eles, Jorge Amado, José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, Mario Sette, Ascenso Ferreira, Ariano Suassuna, Gilberto Freire, entre outros. Gilberto Freire, no livro "Nordeste", usa pela primeira vez o termo ECOLOGIA e, com chamada de página, explica o seu significado. Ele denunciava o escoamento na natureza pelas usinas de açúcar, do vinhoto, que é um elemento venenoso. No meu trabalho e no de muitos artistas baianos, a preocupação é a mesma dos literatos. A minha geração, hoje chamada de "Geração MAPA", tem, sobretudo, uma influência muito grande dos escritos de Mario de Andrade.

quinta-feira, dezembro 30, 2010

Exposição em Roma desvenda mistérios das obras de Caravaggio

Bom dia Brasil - Edição do dia 30/12/2010

As técnicas usadas pelo pintor italiano continuam um mistério. Há muitas suposições, e a exposição levanta algumas hipóteses.

Em Roma, um mistério começa a ser revelado. Michelangelo Merisi da Caravaggio é nome de pintor italiano. Era mais do que isso: um gênio da arte que a ciência ainda não desvendou. Uma exposição lembra os 400 anos da morte de dos maiores artistas da história.



Os segredos de um pintor genial começam a ser desvendados. O Palácio Veneza, em Roma, propõe uma viagem ao processo criativo de um artista revolucionário do século 16. Michelangelo Merisi, que se tornou conhecido com o nome de uma cidade do Norte da Itália, Caravaggio, viveu apenas 39 anos, mas deixou uma vida muito rica de acontecimentos e obras de arte.

Quatrocentos anos depois da morte de Caravaggio, as técnicas usadas pelo pintor italiano continuam um mistério. Há muitas suposições, e a exposição levanta algumas hipóteses. A primeira delas e a mais simples é a de que Caravaggio, em um dos seus quadros, teria pintado seu próprio rosto através do espelho.

“O Baco doente”, provavelmente, seria um auto-retrato. O curador da mostra, o engenheiro Claudio Falcucci, diz que usou os poucos documentos da época e até um inventário do material de trabalho do artista.

Caravaggio pintava sem que ninguém visse. Só seus modelos, gente escolhida na rua, e não fazia desenhos na tela. Poderia ter empregado a técnica do quarto escuro, estudada desde o século 11, o princípio de física ótica que deu origem à fotografia.

No fim do século 16, Caravaggio mudou completamente o seu estilo de pintar. Começou a fazer fundos muitos escuros, que contrastavam com a luz intensa dos seus personagens. Em uma sala, que representa o quadro em que São Jerônimo está escrevendo, está uma tese que levou 20 anos para ser desenvolvida e é a mais apreciada.

O engenheiro analisou a obra de Caravaggio e sustenta que o pintor trabalhava em uma sala de paredes pretas, que usava a luz natural que vinha de uma abertura no telhado, refletida em um espelho côncavo, e a desviava para o rosto dos modelos sem iluminar o fundo do quadro. Segundo esta linha de pensamento, Caravaggio teria então uma faixa de luz para por a sua tela e pintar. Nesse caso, o modelo ficaria de costas para o pintor. O pintor teria usado outro espelho. Então, a imagem de São Jerônimo aparece de frente.

A vida conturbada de um dos maiores pintores de todos os tempos envolveu muitas brigas, fugas e até a morte de um homem provocada por ele. O pintor em 1610, com pouco mais de 70 quadros de autoria confirmada. Em Roma, frequentou palácios nobres e foi protegido por cardeais da Igreja. Pintou temas religiosos e rostos humildes comoventes. Com os escuros, claros e a força de um realismo dramático.

A convergência dos extremos – Crendice & Cepticismo - Por Adriano de Aquino

Adriano de Aquino - Reflexões sobre arte e cultura

Escritas na forma de diálogo entre personagens virtuais que transitam entre a dor de consciência, as maldades, exitos e contradições existenciais de um criador de arte frente as benesses no reino da economia suprema e do mercado gestor, estas reflexões sobre arte e cultura, de Adriano de Aquino, abrem questoes de forma inteligente e pouco convencional.


A convergência dos extremos – Crendice & Cepticismo


_Ah! Quer dizer que pra você a demanda do mercado por suas obras, ou melhor; sua inserção econômica no mundo das artes é um tormento? Ora! Não me venha com essa! Não creio que alguém possa ser tão indiferente ao reconhecimento financeiro.

_Engana-se, minha amiga. Não sou um alienado, indiferente as necessidades materiais e financeiras. O que eu disse é que não há nada de espontâneo ou propriamente verdadeiro no mundo dos negócios. Não creio que exista realização nessa troca para além, é claro, da recompensa material, evidentemente. Crer que o reconhecimento financeiro de um artista é parâmetro de aferição para além do negocio é um tremendo equívoco. Esse é um campo minado que há muito tempo suscita mais dúvidas que certezas. Todos nós somos de alguma forma, afetados pela intermediação do dinheiro para continuar vivos. Essa é uma constatação tão sólida quanto a certeza da morte. O ganho financeiro é um meio de se sustentar como individuo e uma ferramenta de fomento para a experiência corpórea e existencial em qualquer atividade humana. Além disso, o cerne da minha critica não incide sobre esse campo específico. As contradições entre o poder da grana e a liberdade criativa é um capítulo complicado da história humana. Não tenho nenhuma pretensão de estender esse assunto, tendo em vista sua complexa interação que se arrasta pelo longo percurso da humanidade. Se por um momento isso apareceu na nossa conversa foi de maneira fortuita. Foi apenas uma citação peremptória de certa impotência diante dos pactos que nos parecem inexoráveis.
Nas circunstancias atuais, em que a economia é o mais elevado item da vida social, fazer uma critica ao dinheiro sem aprofundar nos mecanismos da produção, difusão e consumo, por mais inteligente que seja, soa como falação inútil.

_Ok!Ta bem!Então retorna para sua argumentação anterior.

_ O que me parece relevante no jogo entre finanças e arte é a ridícula simulação de decoro que se apoderou da mentalidade corrente em nossos dias. A complexidade da produção da atualidade não foi compartilhada por avanços nos mecanismos de intermediação compatíveis com os novos tempos.
O que assistimos aqui e acolá são arremedos grotescos da velha hierarquia mercantil e uma crescente estupidez, convertida em paternalismo estatal. Tal descompasso pode ser percebido, inclusive, nas atitudes de muitos artistas. O ambiente artístico está impregnado de simulacros e afetações típicas da remota aristocracia. É espantoso que na contemporaneidade os rituais arcaicos ainda sejam tão influentes. Por força das circunstâncias houve apenas algumas modificações. As mais visíveis são a substituição dos critérios e das analises mais apuradas das obras de arte por operações promocionais e mercantis, mais objetivas e pragmáticas.Algo similar aos procedimentos e estratégias do marketing politico e dos produtos da indústria cultural. Repare nas fórmulas hoje disponíveis de difusão da arte. Elas dizem muito sobre o sistema. A visibilidade, um dos fundamentos da publicidade, tornou-se o preceito básico que faz girar o mundo da arte. Os métodos promocionais são mais eficazes quanto mais a mensagem se repita. Essa regra é capital para vender mais uma marca de sabão em pó do que a do concorrente na prateleira ao lado. Ainda que uma mente ardilosa imagine ser uma grosseria usar a mesma técnica para alavancar as vendas de um produto cultural, dado que um consumidor de cultura possui, supostamente, mecanismos de defesa mais refinados que o consumidor em geral, o fato é que essa técnica prevalece para tudo. Ocorre, entretanto, que um objeto cultural não é apenas uma caixa de sabão em pó. Não obstante, em circunstancias especiais, uma caixa de sabão em pó pode vir a ser uma obra de arte. Para que tal fenômeno se realize é necessário, antes de tudo, que o objeto se pareça com arte, quer dizer, possua um dom particular, um espírito, digamos assim. A linha de produção industrial empilha no chão das fábricas colunas e mais colunas de objetos que não portam atributos descriminados num glossário das artes. Eles são,em suma,objetos para finalidades especificas.
Mas,esses mesmos objetos, recondicionados pelo circuito da arte, ganham outros sentidos. Assim, um bife pendurado na geladeira de um açougue é, em tudo e por tudo, diferente de um bife metafórico, artístico, exposto numa instituição de arte. Quando Duchamp realizou seu gesto germinal o mundo se surpreendeu. Hoje, ninguém mais se espanta. Não ha um grande evento de arte em que esse tipo de produção não esteja incluída. Além disso,várias instituições de ensino de arte espalhadas pelo mundo e inúmeras cartilhas dedicam capítulos sobre essa "escola" ou tendência da arte. Se por um lado isso parece positivo para que mais pessoas se expressem "artisticamente", por outro, constitui um complicador que,entre outras coisas, propicia ações difusas no que tange a autonomia criativa.São tantas e tão afinadas entre si que não cabe aqui,nesse momento,discuti-las. Porém,posso adiantar, que o novo perfil das instituições e do mercado se ajustaram muito bem ao modelo. Afinal, o bacana da banalidade é a possibilidade de imersão total no banal por todos os segmentos do sistema. Alguns teóricos consideram esse efeito o paradigma de uma revolução estética permanente.

_Ah,ah,ah! De fato, o êxtase com o banal é uma unanimidade global.

_Até aí tudo bem.Contanto que esse paradigma não obstrua o mercado nem paralise a cadeia produtiva,quer dizer;os artistas e os demais segmentos do mercado. Para reforçar seu status frente aos novos desafios os agentes culturais se puseram a pensar,pensar,pensar até chegarem a um método colaborativo bastante eficaz. Isolaram alguns produtos estéticos da montanha de similares e investiram na visibilidade midiatica. A midia é uma vitrine cara, todavia,muito eficiente para imprimir no público a sensação de que existe uma escala de valores nas artes dos nossos dias. Nesse contexto, a visibilidade midiatica funciona como a agulha de uma bússola que orienta um navegante pouco entrosado nas muitas rotas da cultura contemporânea.Num mundo, sacudido por constantes e velozes transformações, onde a instabilidade é uma sensação constante, o individuo mal tem tempo de selecionar, dentre os milhares de informações vazadas todos os dias, aquelas que lhe serão mais úteis. Então, como demandar dessa pessoa uma leitura crítica e equilibrada sobre as diferentes propostas estéticas do último grande evento de arte global? Leve-se em conta que os jornais e revistas contribuem para embaralhar ainda mais o assunto. Anunciam como polêmicos fatos corriqueiros e expedientes promocionais de um artista, focando o leitor nas labaredas da fogueira das vaidades e nas ambições cretinas, típicas das revistas de promoção de egos, hoje tão em voga. Como se isso não bastasse, os periódicos enchem páginas de entrevistas com curadores que se arrogam a emitir diagnósticos sobre a contemporaneidade.
É esse conjunto de fatores-não a produção artística em si - que mais excita o circuito. Como reverter esse bochicho em promoção e tornar o negócio mais atraente e lucrativo? Eis a questão do sistema da arte atual.
Marcar os espaços e pacificar o ambiente tornou-se uma meta dos negociantes mais argutos. A solução mais evidente foi eleger dois ou três nomes da safra de artistas e divulgá-los sistematicamente. Entretanto, com essa tática, o jogo se revelou de um simplismo assustador, pois, os demais artistas tornam-se apenas coadjuvantes. Servem para calçar o sistema frente os imprevistos de percurso.
Bem, essa tem sido a forma de atuação dos players do sistema de arte atual. Até certo ponto vem surtindo um efeito pacificador. O ambiente cultural mostra sinais de contentamento e a vanguarda contemporânea tem vibrado de alegria.
O modelo é permissivo,introjeta imediatamente a contestação a redirecionando para o circuito. Nenhuma experiência anterior de vanguarda foi tão generosamente acolhida pelo sistema como a que agora presenciamos. Abrigados sob a égide de uma poética do cotidiano alguns artistas parecem contentes com os resultados alcançados.
Cabe, portanto, aos agenciadores de marketing, curadores e marchands dar seqüência ao processo realçando o valor à partir da diferença. Numa vitrine em que tudo é muito igual fica difícil defini-la de imediato. Alías, esse é um recurso atraente que encontra similaridades com os atributos celestiais que separam os eleitos daqueles que estão sujeitos aos sacrifícios mercantis ou promocionais dos simples mortais. Como quase ninguém tem saco para esse assunto, poucos se dão conta dos interesses em jogo nessas operações. Para muitos a palavra talento resume o fenômeno, é o suficiente para convencer alguém de que um tal personagem é um prodígio, um mago. Todavia,para o negócio isso não é o bastante. Para reforçar o aparato e agilizar a vinda de lucros mais rápidos, um conjunto de experts tem que entrar na roda.Para tocar essa ponta do negócio existem os curadores.
Oriundos das universidades,academias e centros de arte mundo afora e revestidos da autoridade de um general, peito coberto de comendas, esses experts surgem de toda parte para dirimir dúvidas e consolidar o óbvio:Credenciar nomes. Ontem um curador dos Alpes suíços, hoje uma curadora de uma bienal germânica, amanhã, outro personagem da alta cultura de um país desenvolvido em visita ao país, qual reis magos, anunciam numa entrevista que, para eles, existe, dentre o enorme contingente de artistas locais ávidos por espaço, apenas quatro expoentes da arte contemporânea brasileira.
Coincidentemente, os nomes citados são sempre os mesmos e o roteiro o velho pastiche de sempre: ..."a arte brasileira contemporânea esta bombando nos grandes centros do mundo desenvolvido, bla, bla, bla"

_É mesmo!Que troço colonizado! Antes esses procedimentos eram um tanto comedidos, tratados com um pouco mais de sobriedade. Hoje é escachado. Os curadores trocam figurinhas abertamente, não vê quem não quer se aborrecer, se desgastar. A dimensão continental e a multiplicidade da produção estética local se reduziram a um joguinho entre colegas. Além do mais, a perversa escassez de recursos, a precária infra-estrutura institucional e um mercado incipiente imobilizam os artistas que não tem fluência no sistema. A mídia contribui divulgando apenas o que considera consagrado. No caso a opinião de curadores ou as altas cifras em jogo no mercado da arte.

_Os curadores, ao enaltecerem seus procedimentos, não deixando claro suas participações nas estratégias de negociação da arte, tornam mais densa a cortina de fumaça que confunde ainda mais as pessoas as levando a focar preferencialmente o fenômeno financeiro.
Oh! Estupendo! Dizem alguns. Argh!Especulação, dizem outros. E, fica por aí! Nos dois casos, as únicas referências "visíveis" são a fama do artista e o preço. Sobre a obra de arte propriamente dita, nada se comenta. O campo das artes tornou-se uma espécie de território interdito. Hoje, se contrapor ou criticar obras contemporâneas tornou-se uma atitude indesejável, proibida mesmo. Nessas circunstancias, o fato dos valores atingirem a estratosfera tornando-se uma abstração e as referências se constituírem em vagas citações de intermediários do negocio é um contra-senso repreender as pessoas que voltam sua atenção às transações financeiras como quem vislumbra um enigma mais inquietante no mercado que na própria arte. É licito desprezar alguém por ter visto o que é óbvio?
Acrescente-se a isso uma ocorrência singular. De um tempo para cá diluíram-se as fronteiras que diferenciam um trabalho de escola vanguardista de uma obra tradicional, digamos assim.Tornaram-se apenas métodos distintos.Os dois procedimentos encontram abrigo tanto nas instituições quanto no mercado. O que isso significa? Que o mercado e as instituições oficiais tornaram-se mais sábias e tolerantes ou, a arte dos nossos dias tornou-se a tal ponto previsível que se ajusta rapidamente às demandas do público por novidades? Só uma fidelidade extrema nos levaria a crer que as vanguardas da atualidade possuem o poder de impactar a sociedade.Marcar a diferença!Ora!Pra que? Se esse é o ponto que amalgama a produção de vanguarda ao que há de mais reacionário na sociedade de consumo, pra que inventar uma fábula infantil? As silenciosas disputas pela ocupação dos espaços prestigiosos como as bienais internacionais, por exemplo, são apenas pretextos para ocultar estratégias midiáticas e mercantis. Essas instituições há muito deixaram de ser locais onde transitam experiências estéticas inusitadas. Se tornarem vitrines mega promocionais de modelos estéticos dominantes. Nessa conjuntura o dinheiro foi mais poderoso e eficaz na absorção das diferenças do que o tempo, a reflexão critica e a discussão sobre a arte. É isso! O dinheiro produz efeitos ambíguos e curiosos, pois, ainda que transfira importância para um produto, não obstrui a divergência de opiniões sobre a forma de aferição e credenciamento. Você pode falar o que quiser do dinheiro despejado sobre um evento ou mesmo do preço de compra de uma obra de arte, porém, não ouse criticar uma obra ou um tipo de produção estética da escola vanguardista, isso não!Isso é proibido. Se não é decoro e protecionismo, que titulo daríamos as reações intempestivas dos adeptos desse procedimento?
Essa constatação me enche de perguntas que não encontram respostas nas atitudes correntes no atual sistema da arte.
Por que os artistas das escolas vanguardistas evitam discutir os interesses em jogo no setor cultural e fecham-se em colóquios "especializados" onde só participam os grupos detentores de códigos comuns? Estariam eles participando de uma junta de planejamento estratégico ultra-secreto? Se ajoelhar diante dos produtos estéticos contemporâneos é uma expressão sincera e admirável de reconhecimento? Esse troço me parece mais um hábito religioso. Uma obediência servil a uma seita secreta que pretende divulgar mais uma verdade num mundo exaurido de verdades.
Algumas pessoas crêem que se opor ao poder do dinheiro na arte é uma ingenuidade. Os mais afoitos afirmam que o antagonismo ao sistema é uma batalha travada por um exército de imbecis, dado que a interação arte/poder (leia-se:dinheirto) se funda num pacto secular. Acreditam, certamente, que até a argamassa que juntou as pedras da muralha do saber e da arte, sabem que as coisas sempre foram assim e nunca serão diferentes. Oh!Deus, diante dessa sentença a sensação de inércia se apodera dos meus sentidos. Enaltecer uma obra de arte a partir do preço é um expediente tão insípido quanto um ataque de euforia verbal para anunciar um gosto pessoal. Contudo, até a histeria das torcidas apaixonadas tornou-se uma espécie de trincheira da contemporaneidade. Quantas vezes já não ouvimos: Oh! Amei tal instalação, caí de joelhos diante da obra do fulano. Exaltações verbais desse teor tornaram-se tão corriqueiras entre os freqüentadores do circuito de arte quanto uma cervejinha gelada no verão escaldante. Cair de joelhos diante de um trabalho da vanguarda contemporânea é algo inconcebível para um ente que se beneficiou dos avanços da modernidade, contudo, tal manifestação tornou-se comum. A síndrome do Best Seller debilita suas vitimas as colocando imóveis ao alcance da mira do marketing das estrelas!
O que mais choca nessa crendice absurda é a fragilidade crítica de indivíduos supostamente cultos. Parece coisa de maluco! Como um sujeito informado ainda se submete aos códigos dominantes sem sequer se perguntar por quê?
Ao expor de forma tão intensa seus sentimentos diante da arte, esses indivíduos realizam duas operações num só ato. Na primeira obstruem a potencia do sujeito frente aos códigos dominantes e, na segunda, anulam qualquer perspectiva de opinião contraria, pois, a fé é um domínio exclusivo do sujeito. Como se contrapor a fé? Com uma guerra santa? Uma revolução cultural?
Essa situação revela o enorme poder dos meios sobre a produção artística. O poder do dinheiro exacerba a desconfiança, inclusive, na própria escolha pessoal. O feitiço se cumpre na pratica com o retorno de um tipo de respeito imposto. Algo parecido com uma crença tirânica da antiguidade. Mas, no teatro das ocorrências culturais, é recomendável que os artistas pareçam livres, contestadores e independentes do sistema. Ocorre que incontáveis atividades profissionais do campo da cultura sofreram, nos últimos trinta anos, mudanças consideráveis. Algumas, como a critica de arte, por exemplo, estão em vias de desaparecer. Outras,como os agenciadores de marketing e os curadores subiram aos céus. Vimos surgir recentemente um tipo de celebridade que chamo de ansioso blasé.

_Han? Ansioso blasé? Como assim?

_Explico! No teatro das artes cada um representa um personagem bem definido. Nada mais eficiente para uma performance mistificadora que um artista cético com poderes supremos para converter fiéis em causa própria. Esse procedimento exige um desempenho considerável onde a ansiedade e os arranjos mundanos da escalada ao topo devem ser elegantemente camuflados por uma atitude aparentemente blasé.
Ninguém sobe ofegante e com a camisa suada no pódio da grande arte. É conveniente que essa ascensão ocorra de forma divina, envolta por uma atmosfera tão natural quanto um plácido lago povoado de ninfas.

Adriano De Aquino
Natal de 2010.

Avançados & Reacionários. A convergência dos extremos - Por Adriano de Aquino

Adriano de Aquino - Reflexões sobre arte e cultura

Escritas na forma de diálogo entre personagens virtuais que transitam entre a dor de consciência, as maldades, exitos e contradições existenciais de um criador de arte frente as benesses no reino da economia suprema e do mercado gestor, estas reflexões sobre arte e cultura, de Adriano de Aquino, abrem questoes de forma inteligente e pouco convencional.

Avançados & Reacionários. A convergência dos extremos

_As grandes mostras da arte mais recente democratizam o acesso à cultura. Os curadores são peças vitais nesse jogo. São artistas também. Eles estenderam a arte da atualidade em direção ao grande público a disponibilizando ao nível de Ilustrações, sacadas antropológicas estetizadas, recortes biográficos, ou, ainda, estratégias de marketing!

_Meu Deus! Seu comentário é bastante reacionário. Isso é tudo que tem a dizer sobre as artes visuais do nosso tempo?

_Ora, minha amiga! Dizendo isso você me surpreende. Sempre a considerei uma pessoa avançada. De repente ouço-a repetindo a mesmice dominante. Joseph Beyus (1921-86), com uma lebre no colo e o rosto coberto de gordura, há muito tempo declarou para seus discípulos e para o mundo da arte que: toda pessoa é um artista. Restringir, portanto, essa titularidade apenas aos artistas militantes, de carreira confirmada e currículo transglobal e aos curadores, é indício de forte conservadorismo. Nos idos dos anos 70 Beyus- contraditoriamente ou não- já se destacava como um dos mais importantes "artistas" da Europa. Seu tributo para a percepção da arte e para o fazer artístico contemporâneo, digamos assim, centrava na idéia de que os materiais são,em si, sentido e significado, melhor dizendo; os diversos e mais dispares materiais, fabricados para finalidades artísticas ou não, são plenos de sentido e significado. Seu pensamento sobre arte partia do entendimento de que a criação é ação sobre o mundo e a realidade.Para que esse procedimento se efetivasse enquanto criação, Beyus agia de forma a integrar gesto,ação e objetos ao mundo. Durante sua "vida artística" ele recusou categorizar seus atos com rótulos tipo performance ou instalação. Para ele, eram ações, ações efetivas de transformação do mundo. Sua "obra de arte" é a expressão de sua militância enquanto pessoa sensível, ou, sei lá, artista, que é a titularidade conferida pela sociedade àqueles que criam coisas artísticas. Para Beyus qualquer material ou objeto,quando tocado pelo gesto criador, torna-se arte. Sua proposta é radical e a podemos resumir da seguinte forma; tudo é passível de se tornar arte,basta para isso que se desperte a arte que existe nas coisas através do toque criativo que sensibiliza os objetos e os materiais. Sua historia pessoal é pontuada de eventos curiosos. Em 1943, então jovem telegrafista das forças armadas da Alemanha , tripulava um avião da Luftwaffe nazista que foi derrubado num deserto de rochas da Criméia. Fato ou não, é a partir dali, que Beyus fundou sua mitologia,onde a criatividade tem um "dever" transformador dos sentidos,das substancias e dos significados das coisas materiais .Para ele ,é esse "novo uso" dos materiais que confere significados poderosos as coisas as tornando capazes de "curar" o mundo. É possível, quem sabe?que sua formação militar transferiu para a esfera do dever o que para um artista seria,sobretudo, um mistério embutido nas relações criativas com as coisas e o mundo. Desde aquela ocasião, como você sabe, eu abandonei por completo qualquer intento de me identificar como artista catalogado,cumpridor de uma atividade regular de abastecimento do mercado de arte,das instituições culturais e da própria sociedade. Abandonei radicalmente qualquer referencia curricular à atividade artística que desempenhei outrora. Alguns sites e publicações ainda insistem em me inserir no escopo dos artistas em atividade. Por mais que eu me esmere em negar, apagando os registros da minha biografia "artística", sempre aparece um texto cult que me insere de volta no mundo das artes. Isso se tornou uma espécie de tormento! Até a sacralização do mictório de Duchamp-que demorou um período bastante longo para subir ao pódio da grande arte- eu ainda acreditava que ser artista era subverter o sistema rumo à transcendência criativa. Porém, hoje, estou certo de que tudo não passou de um sonho. Anos se passaram e vimos consolidar uma poderosa estrutura de mercado e ações institucionais cada vez mais aprimoradas e velozes. Nunca na historia da humanidade a contravenção estética e a marginalidade cultural ficaram tão próximas do sistema. As atitudes, até mesmo as ações mais radicais da contra cultura,se tornaram adereços de produtos anódinos. Pra falar a verdade, de um tempo para cá, o sistema amalgamou tudo de tal maneira que a "recuperação" e a inserção mercantil e institucional da arte dita insurreta ou, se preferir, nova, revolucionaria, se tornou uma pratica vulgar. Qualquer brechó do subúrbio tem na ponta dos dedos os mecanismos de inserção institucional e mercadológica para um artista soi dissant maldito. Basta que ele tenha uma rede de compradores, um marqueteiro eficiente, uma dondoca entusiasta da arte arrojada e um cartão de crédito ilimitado. A arte atual é tão volúvel e trivial quanto a moda inspirada nas estações do ano. Recentemente os artistas comprometidos com a arte avançada e seus seguidores progressistas ficaram putos da vida quando Walter Robinson escreveu: Não existem mais movimentos de arte. Existem movimentos de mercado. Diante do cenário cultural da atualidade é difícil contra argumentar essa máxima. Os artistas avançados deram de ombros, seus seguidores desprezaram qualquer reflexão e,assim, o sistema não se moveu do lugar. Como se contrapor à dura critica de Donald Kuspit sobre a inversão dos valores no campo da arte? Tem-se que ter uma argumentação consistente para contestar o fato de que: o dinheiro já não fomenta a arte, a arte serve e obedece aos ditames do dinheiro. Quando o dinheiro lança suas bênçãos sobre a arte ele transforma Júpiter em Danae e a arte se ajoelha a seus pés em sinal de gratidão(...) o dinheiro tornou-se eterno e transcendental, o artista que não enxerga valor num talão de cheques é visto hoje como um tolo autodestrutivo(...)testemunhamos o coroamento lento mas constante do dinheiro na arte. A escalada de preços confirma que a capitalização da arte está completa. O dinheiro conquistou completamente a arte transformando-a numa espécie de dinheiro
A convergência exacerbada da arte com o dinheiro a iguala ao dinheiro. Como buscar a transcendência num território tão inóspito? Se não há transcendência inexiste transformação.Tudo tende a permanecer igual. A estética contemporânea foi cooptada pelo dinheiro e se transformou num modo operante que identifica os códigos, atitudes e obras da vanguarda contemporânea,hoje predominantes nas grandes mostras internacionais de arte. Se os artistas não podiam fazer isso sozinhos surgiu no cenário cultural uma força expedicionária pronta para o serviço; os curadores. Eles são uma espécie de filtro que retém ruídos e abafam contrastes. A melhor coisa para o avanço de um sistema e o aporte de fluxos financeiros advém do certificado institucional conferido, sobretudo, pelas grandes exposições de estética mundialista. Os curadores são uma espécie de conferentes alfandegários. Eles são parte ativa do sistema. Carimbam a entrada e a saída de produtos e atuam,direta ou indiretamente, nos indicadores de preços que atraem capitais para o empreendimento. Trata-se de um contingente estratégico para os negociantes e contribui para maior eficiência do sistema.Reações intempestivas contra esse processo também são passíveis de ser engolfada pela metodologia vencedora. Tornaram-se apenas protestos isolados que retro alimentam o próprio sistema. Inexiste eficácia real e contundente no discurso tradicionalista, tendo em vista que ele se funda em geral numa espécie de retorno nostálgico aos valores do passado. Nesse sentido funcionam como voz discordante que enfatiza ainda mais a importância daquilo a que se contrapõem.Como podemos perceber nesse enunciado, tanto os avançados quanto os reacionários são ferramentas úteis de um mesmo processo.

Espanha divulga telas roubadas

Fonte: Correio da Manhã - Ana Maria Ribeiro com agências, 30.12.2010

Numa tentativa desesperada para conseguir recuperar obras de arte roubadas, a Polícia Nacional de Espanha acaba de difundir imagens de quadros que se acredita estarem em circulação no mercado negro e poderem atingir preços exorbitantes. Alguns deles, de artistas de primeira linha, como Picasso, Cézanne, Van Gogh, Joaquín Sorolla ou Rembrandt, num total estimado em várias centenas de milhões de euros. Algumas obras desapareceram há 20 anos.

Dama Desconhecida’, Velázquez

Os casos de arte roubada estão entregues em Espanha à Brigada de Património Histórico – departamento já distinguido várias vezes pelo seu bom desempenho na procura de objectos artísticos desaparecidos no Mundo inteiro.

A brigada criou, há mais de dez anos, uma base de dados pioneira, a ‘Dulcinea’, partilhada por toda a polícia espanhola e que pode ser consultada até nos carros de patrulha. Da lista constam mais de oito mil peças, entre pinturas, esculturas ou artefactos arqueológicos.

No entanto, mesmo com toda a informação a circular, há peças que ‘teimam’ em não aparecer e algumas estão desaparecidas há 20 anos, como ‘Dama Desconhecida’, quadro de Velázquez roubado do Palácio Real de Madrid em 1989.

A lista inclui ainda telas roubadas recentemente, como ‘O Pombo e as Ervilhas’, de Picasso, e ‘A Pastoral’, de Matisse, ambas surripiadas em Maio deste ano do Museu de Arte Moderna de Paris.

Entre as mais procuradas pela polícia – até pelo seu valor extraordinário –, está a tela ‘Auvers sur Oise’, de Paul Cézanne, avaliada em 4,8 milhões de euros e misteriosamente desaparecida do Museu Ashmolean de Oxford, no Reino Unido, em 2000.

Da base de dados constam ainda ‘Giestas e Papoilas’, de Van Gogh, roubada no Egipto, e ‘Mulher com Chapéu’, de Toulouse-Lautrec, roubada em Itália.

quarta-feira, dezembro 29, 2010

Cores de uma obra de arte rupestre vêm de microorganismos

Por: Natasha Romanzoti - HypeScience em 29.12.2010
Fonte: BBC

Um tipo particular de arte rupestre, na Austrália Ocidental, mantém até hoje cores vivas, apesar de sua idade, o que poderia intrigar muita gente. Agora, pesquisadores descobriram por que: as pinturas estão vivas.

Calma; não é bem a pintura que está viva literalmente. É que ela é colonizada por bactérias e fungos coloridos. Enquanto algumas artes rupestres desaparecem em centenas de anos, a “Bradshaw” continua a ser colorida depois de pelo menos 40.000 anos, graças a esses “biofilmes” de bactérias.

Pesquisadores estudaram 80 dessas obras Bradshaw, nomeadas em homenagem ao naturalista do século 19 que as identificou, em 16 locais na região da Austrália Ocidental. Eles se concentram em duas das mais antigas pinturas Bradshaw, Tassel e Sash, e constataram que a grande maioria delas apresentava sinais de vida, mas não pintura. A equipe apelidou o fenômeno de “pigmentos vivos”.

Segundo os cientistas, os pigmentos da tinta original foram substituídos por microorganismos pigmentados. Estes organismos vivos podem se reabastecer ao longo de milênios, o que pode explicar a aparência fresca das pinturas.

As espécies exatas envolvidas nas colorações da arte ainda não foram identificadas, e os pesquisadores alertam que as condições adversas da região podem dificultar futuras pesquisas.

Entre os habitantes mais frequentes da obra de arte está um fungo preto, provavelmente do grupo conhecido como Chaetothyriales. Sucessivas gerações destes fungos crescem pela canibalização de seus antecessores. Isso significa que, se a camada de tinta inicial, de dezenas de milhares de anos atrás, tivesse esporos de fungo no seu interior, os atuais habitantes podem ser descendentes diretos.

A equipe também observou que a pintura original pode ter tido nutrientes que deram o “pontapé inicial” para uma relação mútua entre os fungos pretos e bactérias vermelhas que muitas vezes aparecem juntos. Os fungos podem fornecer água para as bactérias, enquanto as bactérias fornecem carboidratos para os fungos.

A sugestão dos “pigmentos vivos” também pode explicar porque as tentativas de datar a arte rupestre eram inconsistentes: apesar das pinturas serem antigas, a vida que enche seus contornos é bastante recente. E datar as artes individuais de Bradshaw é crucial para qualquer compreensão mais profunda de seu significado e desenvolvimento.

Hoje, esta possibilidade está muito longe, mas o biofilme oferece um caminho possível. Segundo os pesquisadores, é possível encontrar uma data através da evolução da sequência do DNA das bactérias, mas isso pode levar um tempo.

Estudos como esse podem ajudar arqueólogos do mundo inteiro a levar em conta os efeitos que a própria vida pode ter sobre a arte. Por exemplo, a pesquisa mostra que alguns microorganismos estão convivendo com os pigmentos e não os destruindo, que geralmente é o pensamento associado às bactérias.

A pesquisa também levanta a questão de investigar se os artistas de Bradshaw sabiam dos efeitos a longo prazo dos pigmentos específicos que usaram em suas obras.

Ano morno de promessas frustradas

Camila Molina - O Estado de S.Paulo
29 de dezembro de 2010

Bienal, a despeito dos esforços para reerguer a mostra, não deu visibilidade à obra do transgressor Flávio de Carvalho; novo prédio do Museu de Arte Contemporânea também não ficou pronto.


Foto: José Luis da Conceição/AE
Retrospectiva. A Estação Pinacoteca respondeu por uma das melhores exposições, mostra reuniu trabalhos do pai da arte pop americana, Andy Warhol

A expectativa pela 29.ª Bienal de São Paulo prometia um ano mais vibrante para as artes visuais - pelo menos, na capital paulistana -, mas, afinal, em termos de programação, sem grande impacto viu-se 2010 marcado por mostras institucionais com destaque mais para artistas estrangeiros do que para brasileiros.

O otimismo do início de ano ainda se estendeu para o mercado, com a marca, em fevereiro, de novo recorde de venda em leilão: a escultura de bronze L"Homme Qui Marche I (O Homem Que Caminha I), do artista suíço Alberto Giacometti (1901-1966), foi arrematada em Londres por US$ 104,3 milhões, batendo, por pouco, os US$ 104,2 milhões pelos quais foi vendido, em 2004, o quadro Garçon a la Pipe (Menino com Cachimbo), de Picasso. Mas, infelizmente, a onda da crise econômica, principalmente, na Europa, abafou os ânimos do mercado mundial.

Mas, no caso do Brasil, houve a constância do que se pode definir como uma boa safra. Um termômetro certamente é a SP-Arte, a feira internacional de obras contemporâneas e modernas, que teve em 2010 sua 6.ª edição, no Pavilhão da Bienal. O evento aumentou de tamanho e contabilizou volume 15% maior de vendas comparado a 2009. Outro fator que indicou a pulsão do mercado brasileiro, ainda, foi um movimento de galerias paulistanas inaugurando, na cidade, espaços novos e ampliados - como a Marília Razuk, Luisa Strina e, futuramente, Raquel Arnaud - e, também, a abertura do galpão da Baró/Emma Thomas e a criação da Zíper Galeria, nos Jardins, por exemplo.

Mais ainda, em termos de recursos, o que dizer da Fundação Bienal de São Paulo? Graças ao esforço e trabalho da diretoria presidida pelo empresário Heitor Martins, a instituição está com suas contas em dia e conseguiu arrecadar a totalidade do montante que necessitava para realizar a 29.ª edição de sua mostra (leia mais ao lado) - orçada, afinal, em R$ 23,5 milhões - e também patrocínio para o início da reforma de seu prédio.

Antologias. No ano em que as artes visuais perderam a escultora francesa naturalizada americana Louise Bourgeois (aos 98 anos, em 31 de maio); o pintor alemão Sigmar Polke (aos 69 anos em 11 de junho); e os artistas paulistanos Wesley Duke Lee (aos 78 anos, em 13 de setembro) e Hércules Barsotti (aos 96 anos, no dia 21), é possível relacionar mais exposições de destaque de criadores de outros países.

São Paulo, principalmente, e Rio, abrigaram antologias importantes de estrangeiros, como a do pai da arte pop americana Andy Warhol (Estação Pinacoteca); da alemã Rebecca Horn (CCBB); do belga multimídia Jan Fabre (Instituto Tomie Ohtake); dos alemães Joseph Beuys (Sesc Pompeia/Videobrasil) e Georg Baselitz (Estação Pinacoteca); e dos americanos Fred Sandback (Instituto Moreira Salles) e a cult Laurie Anderson (CCBB).

Já na seara de brasileiros, a promessa de se fazer acender o espírito transgressor de Flávio de Carvalho (1899-1973) foi maior do que a realização de atividades em torno do artista. A retrospectiva no MAM, em abril, ficou destituída de sedução, perdendo-se no excesso de documentações e apresentando apenas as pinturas do modernista. Já a presença de Carvalho na 29.ª Bienal ficou quase totalmente apagada.

Outra promessa do ano era a abertura da nova sede do Museu de Arte Contemporânea da USP (MAC) no antigo prédio do Detran, no Ibirapuera, mas o espaço só ficará pronto em 2011. Com área expositiva de 10 mil m² - e, segundo o secretário de Cultura Andrea Matarazzo, com obra orçada em um total que chegará a cerca de R$ 70 milhões bancados pela Secretaria de Estado da Cultura -, o novo prédio do MAC deve ser inaugurado só depois de março.

Ainda na linha de eventos dedicados a criadores nacionais, um dos destaques de 2010 certamente foi a mostra antológica que a Estação Pinacoteca apresentou, em setembro, da produção de Carmela Gross, perpassando sua carreira desde a década de 1960 até hoje. A exposição mesclou a secura de trabalhos diretamente políticos, como a obra Presunto, grande corpo amorfo de lona estofada criado em 1968, e o rigor e poesia de Projeto para a Construção de Um Céu (1981). No time de criadoras, vale também destacar a intervenção Tramazul que Regina Silveira realizou por toda a fachada do Masp, na Avenida Paulista (que ficará em exibição no local até meados de janeiro). No edifício, Regina fez o que seria a projeção de um céu azul bordado no local, suspenso na arquitetura.

Já no Rio, duas mostras que tiveram muitos elogios ocorreram no MAM carioca: Fruto Estranho, de Nuno Ramos, e Salas e Abismos, de Waltercio Caldas. Voltando ao campo das antologias chegou este ano, em abril, ao País (Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre), a mostra O Alfabeto Enfurecido, dedicada à suíça radicada brasileira Mira Schendel e ao argentino Leon Ferrari.

A exposição, primeiramente apresentada no Museum of Modern Arte (MoMA) de Nova York, e no Museu Reina Sofia, de Madri, reforçou o prestígio de Mira no circuito internacional. Ao mesmo tempo, a mostra Anywhere Is My Land, com a produção dos anos 1960 e 70 do artista Antonio Dias, enfim foi apresentada na Pinacoteca do Estado depois de ser exibida no espaço da Coleção Daros-Latinamerica, em Zurique.

David Hockney reúne em exposição desenhos feitos em iPhone e iPad

Ana Paula Sousa - Folha de SP/Ilustrada, 29.12.2010
Enviada Especial à Paris

E eis que da tela fez-se o pincel. Com o mesmo toque de dedo que nos faz alcançar um número de telefone ou o mapa de uma estrada, David Hockney, 73, criou cores, formas. Flores.

O pintor britânico reencontrou-se com o desenho quando, deitado na cama, na costa leste da Inglaterra, pegou o iPhone e, empurrado pela própria natureza de artista, se flagrou a transferir para a pequena tela o nascer do sol que via pela janela.

"Eu não teria desenhado a aurora se eu tivesse um lápis e um papel à mão. Foi a luminosidade da tela que me incitou", descreve, no texto feito para a exposição "David Hockney, Fleurs fraîches" (flores frescas), em cartaz na Fundação Pierre Bergé - Yves Saint Laurent, em Paris.

A mostra, que fica aberta até o dia 30 de janeiro, reúne 200 desenhos que Hockney, um dos mais importantes artistas contemporâneos, fez sobre iPhones e iPads.

As imagens que chegam a público surgiram nesse mesmo quarto com vista para o nascer do sol. O espaço, conta Hockney, era diariamente decorado com flores frescas.

"Aprender a desenhar é aprender a olhar e aprender a olhar não faz mal a ninguém", ensina, no texto.


David Hockney/iPad drawing
Imagens da exposição "Flores Frescas", que reúne 200 desenhos sem título feitos no decorrer deste ano por David Hockney
Imagens da mostra "Flores Frescas", que reúne 200 desenhos feitos no decorrer deste ano - David Hockney

NOVOS VALORES

Hockney, que já foi chamado de "o pintor mais célebre do mundo", e teve suas imagens da Califórnia transformadas em símbolo do hedonismo da sociedade atual, andava desaparecido do grande circuito. Não expunha em Paris desde 1999.

"Uma das vantagens de estar na periferia do mundo das artes é essa: posso observar melhor", declarou, numa longa entrevista à revista especializada "Artpress".

E ele observou que, se no iPad mudará muita coisa, da imprensa escrita à nossa relação com a tela da TV, não é possível achar que as artes plásticas passarão ao largo do seu impacto.

Seus desenhos, que perderiam todo o sentido se fossem impressos, uma vez que ganham vida apenas com a luminosidade da tela, procuram capturar algo que é específico das novas tecnologias.

Isso fica claro à entrada da exposição parisiense. Um vídeo mostra o pintor em ação. Os gestos, apesar de delicados, são velozes. A cada traço se segue a busca por uma nova cor, na própria tela.

Os desenhos têm um quê de primitivos. A provocação, evidentemente, não está nos traços em si, quase inocentes, mas na sua existência.

Como observa Hockney na "Artpress", a Sotheby's ou as galerias não saberiam o que fazer com esses desenhos que foram enviados, em forma de arquivo digital, a duas dezenas de pessoas.

"Ninguém se perguntou ainda quando isso custa", ponderou o artista que, antes de organizar a mostra, mandou seus desenhos para 20 amigos que têm iPhones.

"Como muita gente, ainda não encontrei uma maneira de receber por isso. Mas como esses desenhos dão muito prazer aos meus amigos, que importância isso tem?", pergunta, lúdico, no texto de apresentação.

Este ano, a fotografia ganhou mais espaço em discussões e publicações

Simonetta Persichetti - O Estado de S.Paulo
29 de dezembro de 2010


Início do conteúdoA imagem como objeto de reflexão

Sem dúvida, 2010 foi um ano especial para a fotografia, arte que no País já é tema central de pelo menos 12 festivais. Isso ocorreu não apenas por causa do crescente número de exposições e livros publicados, mas ainda pela cada vez maior possibilidade de pensar sobre essa atividade. Deixamos um pouco de lado curadorias mirabolantes, nas quais a cenografia de alguma forma encobria produções fracas - se bem que a grande moda deste ano foram as paredes azuis -, que insistiam em se impor nos museus e galerias. Na verdade, foram abertos mais espaços para discussões, além de grande variedade de semanas e simpósios para discorrer sobre o fazer fotográfico.

No âmbito da reflexão, o Paraty em Foco, realizado em setembro na cidade fluminense, se estabelece como fonte de discussão pelo sexto ano consecutivo. Assim como foi importante, em outubro, a segunda edição do Fórum Latino-Americano de Fotografia, no Itaú Cultural. Uma maneira de nos aproximarmos da imagem criada pelos nossos vizinhos de continente. Para ajudar a avaliar a produção contemporânea, em setembro a 4.ª SP-Arte/Foto, além de apresentar 500 fotografias, 170 artistas e 18 galerias, organizou um curso para ajudar a compreender o objeto fotográfico, tema de edição especial da revista Arte!Brasileiros.

Em relação às exposições, o ano começou bem com uma magnífica mostra na Galeria de Arte do Sesi-SP - de 2 de março a 4 de julho - com cerca de 200 registros da inglesa Maureen Bisilliat, cujo acervo pertence hoje ao IMS (Instituto Moreira Salles). Aliás, o IMS foi responsável pelas melhores exposições deste ano, como a do argentino Horacio Coppola e a da alemã/brasileira Hildegard Rosenthal sobre São Paulo e Buenos Aires das décadas de 30 e 40, realizada em março em parceria com o Museu Lasar Segall.

Desde o ano passado, o IMS tem expandido suas fronteiras, trazendo também exposições internacionais como a do fotógrafo russo Aleksandr Rodchenko, atualmente em cartaz no Rio, mas com previsão de vir para a Pinacoteca de São Paulo no início do ano que vem. E por falar em Pinacoteca, a instituição trouxe duas importantes mostras latino-americanas: em setembro a dos Irmãos (Carlos e Miguel) Vargas, A Fotografia de Arequipa, Peru 1912/1930, retratistas peruanos do começo do século 20, e o emocionante trabalho da mexicana Graciela Iturbide. Esta, imperdível, permanece em cartaz até o fim de janeiro. Isso sem falar na presença das imagens na Bienal.

Os livros também foram destaques neste ano. Vários fotógrafos publicaram ensaios e retrospectivas, a Cosac Naify traduziu para o português o diário de Robert Capa, Ligeiramente Fora de Foco, e a Companhia das Letras o excelente Só Garotos, da performer e poeta Patti Smith que narra seus anos de convivência com o fotógrafo Robert Mapplethorpe. Um ano em que, talvez, se mostrou menos, mas, sem dúvida, pensou-se mais.

terça-feira, dezembro 28, 2010

O caminho da bienal ainda está incerto

O Estado de S.Paulo
26 de dezembro de 2010

A Bienal enfrenta também uma crise de fundo, de vocação. A busca de público e de visibilidade estimulou uma concessão cada vez maior à arte-espetáculo; as críticas à segmentação geopolítica (modelo inspirado na centenária Bienal de Veneza) fizeram com que o critério geográfico fosse abolido sem que nada muito superior fosse colocado em seu lugar; a necessidade de corte de custos fez com que se eliminassem os núcleos históricos deixando o público pouco experiente diante da sensação de que a arte contemporânea nasce do nada, vale milhões e não se sabe por quê.

Há dez anos realizava-se no pavilhão da Bienal a célebre mostra dos 500 Anos, que reuniu cerca de 15 mil peças, u número recorde de curadores, arquitetos e cenógrafos e atraiu quase 2 milhões de visitantes. Envolveu ainda edições luxuosas e mostras itinerantes pelo mundo afora. Tal luxo teve como contrapartida o acirramento da crise de uma das instituições mais sólidas e importantes de fomento às artes plásticas do País, que se mostrou incapaz de assumir compromissos excessivamente vultosos feitos por seus administradores e vulnerável frente a uma excessiva e imediatista concentração de poder.

As dificuldades financeiras e administrativas começaram a vir a público de imediato, com o aumento de fornecedores reclamando pagamento. Ainda que tenham sido necessários alguns anos para o encerramento da era Edemar Cid Ferreira, com sua denúncia e prisão por problemas relativos ao Banco Santos, a situação já era grave nos primeiros anos da década.

A atrapalhada gestão de Carlos Bratke, como a decisão de adiar a realização da 25ª Bienal e a demissão, por carta, do curador Ivo Mesquita, jogaram a instituição numa situação que só começou a ser parcialmente resolvida recentemente. Parcialmente porque, se foi possível resgatar a credibilidade e o equilíbrio financeiro com a intervenção da presidência de Heitor Martins - recém-reeleito como presidente da instituição -, ainda é incerto o caminho a ser trilhado pela Bienal.

Ao completar 60 anos em 2011, a instituição cumpriu importante papel na cena artística. Formou artistas e críticos, ajudou a inserir o Brasil no circuito internacional, criou espaço permanente de exibição e, na medida do possível, de reflexão e debate. Mas a Bienal enfrenta também uma crise de fundo, de vocação. A busca de público e de visibilidade estimulou uma concessão cada vez maior à arte-espetáculo; as críticas à segmentação geopolítica (modelo inspirado na centenária Bienal de Veneza) fizeram com que o critério geográfico fosse abolido sem que nada muito superior fosse colocado em seu lugar; a necessidade de corte de custos fez com que se eliminassem os núcleos históricos deixando o público pouco experiente diante da sensação de que a arte contemporânea nasce do nada, vale milhões e não se sabe por quê.

A solução para o término dos dois núcleos historicamente estruturantes da mostra - representações nacionais e núcleo histórico - foi a adoção de critérios variáveis, coletivos (portanto, às vezes turvos) de curadoria e, sobretudo, o recurso a temas abrangentes e um tanto estéreis. Um resumo sucinto dos eventos da década parecem confirmar tal avaliação. Ao pragmatismo das duas primeiras mostras da década, sob o comando do alemão Alfons Hug, sucedeu-se a mostra politicamente correta coordenada por Lisette Lagnado, baseada em texto de Roland Barthes que flertava com questões de cunho político e existencial. Depois foi a vez de Ivo Mesquita proclamar a necessidade, real, de se discutir a fundo os rumos da instituição e instituir a Bienal do Vazio. Na verdade o que se viu foi uma mostra esgarçada, entre o vazio e o cheio e capaz de conseguir algo pouco provável: desagradar a gregos e troianos.

Agora, encerrando a década, tivemos outra mostra que flertou com o político, sem radicalismos. Com altos e baixos, como todas as bienais, mas realizada em tempo recorde e sem maiores percalços. A pena é que ao invés de estimular o debate sobre a arte, suas instituições e objetivos (algo cada vez mais necessário), as discussões sobre a 29.ª mostra continuaram distantes de qualquer reflexão sobre arte. O escândalo infundado na defesa dos urubus, que devem estar em condições piores agora em suas celas no zoológico, e os debates sobre as obras mais polêmicas - os desenhos de Gil Vicente matando políticos e a instalação do argentino Roberto Jacoby - nem de longe trataram do que realmente essas obras estavam fazendo ali.