Reedição ampliada do texto: BIenal de São Paulo - Um morto barulhento - de 04/10/2006/HiperBlog
Nunca um texto de 4 anos atrás enquadra-se tão bem à realidade atual. Adriano de Aquino brilhantemente relata o definhamento das Bienais ao longo dos últimos 20 anos. Quando muito, elas provocam uma sensação frustrada de Déjà vu. Tentar inovar sem considerar as mudanças sociais e tecnológicas, que também afetam o cenário artístico, é no mínimo uma infantilidade. As razões muitas vezes apresentadas seriam exatamente aquelas que justificariam a busca de um novo formato. No entanto, sabemos que as verdadeiras razões é, de fato, o continuísmo do uso da instituição por grupos que insistem em manipular o mercado em benefício próprio. (FFA)
Controvérsias reaparecem a cada nova edição da Bienal São Paulo. Elas se originam do esgotamento das formas de amostragem de arte, conceituação e modelo de gestão dos grandes eventos. Muitos afirmam que as mega-exposições há muito deixaram de ser um elo ativo entre a pluralidade das experiências estéticas e o publico. Essas opiniões coincidem com os protestos de vários grupos contra a investida mercantil sobre os produtos artísticos, associados a esse tipo de evento.
Críticos das feiras de arte e das grandes mostras internacionais focam suas ofensivas sobre os métodos do marketing cultural que enfiou turismo, antropologia, divertimento, arte e cultura num mesmo saco, melhor dizendo, num mesmo ambiente refrigerado e lacrado contra ruídos da cultura contemporânea que acontecem do lado de fora.
As grandes mostras tornaram-se paquidermes em processo de desintegração. Os curadores investem sobre o que resta de orgânico num material em decomposição.
As sucessivas mudanças artísticas, provenientes, entre outras coisas, da dinâmica da era dos meios eletrônicos, expandiram consideravelmente as formas de expressão. Qualquer pessoa minimamente informada sabe que a variedade de informações hoje disponibilizadas, produziu um enorme impacto na vida social. Acreditar que a criação artística ficou imune, protegida no casulo da genialidade criativa é tolice. Para quem enxerga para além da propaganda o que se evidencia na manutenção do velho sistema é uma estratégia que beneficia grupos de interesses mercantis e econômicos.
Porém, os curadores não vêem isso e se prontificam a salvar os restos mortais da instituição reabilitando-a como uma espécie de zumbi transglobal.
Será que acreditam poder voltar no tempo e nos surpreender, reeditando as polêmicas bienais dos anos 60 e 80?
A Bienal de Veneza de 1980, que serviu de vitrine à versão de Charles Jencks para o pós-modernismo, decretou o fim desse modelo de exposição. Essa Bienal foi o último elo de ligação efetivo das grandes mostras com as questões mais radicais da arte e que teve como resposta o entusiasmo do público.
Como esse fato histórico não é uma advertência contra a mesmice, o publico é coagido a assistir as repetições infindáveis do mesmo show, com pequenos cortes particulares. Lamentavelmente, mais medíocres.
Os cientistas, em coro com alguns artistas, acham melhor isso do que nada.
Francamente, sem querer estragar a festança nem sujar a vitrine, prefiro o nada. É mais estimulante.
Se o sopro criativo dos curadores, ou melhor, dos atuais “cientistas da criatividade” conseguisse superar os feitos do passado marcando uma diferença crucial com o sistema de arte dominante eu não seria tão incrédulo. Porém, não é o que vemos. As grandes mostras de arte da atualidade são como rituais arcaicos que orbitavam em torno dos curandeiros. Os cientistas da criatividade são hoje cultuados e temidos como os curandeiros do passado remoto. Essa nova espécie de “meteur em scene” vem perturbando o sono de muitos artistas. De um tempo para cá o mundo das artes foi envolvido numa atmosfera artificial carregada de ansiedade.
Motivos não faltam.
O mais significativo tem origem nas vertentes da vanguarda contemporânea que, ao contrario da vanguarda histórica, derreteu o outsider no insider.
As obras que não se encaixam no esquema em voga não são nem outsider nem insider, portanto, não merecem atenção dos cientistas da criatividade.
Eles não almejam apenas organizar uma mostra de arte, pretendem, isso sim, precipitar-se à história.
As atitudes artísticas que antecederam os últimos trinta anos, marcadas pela transitoriedade, romperam barreiras e descortinaram conceitos, trazendo à tona novas formas de expressão. Uma enorme variedade de estilos coincidiu com a atração generalizada pelo efêmero, despindo as obras de arte das características outrora reconhecíveis como “arte burguesa”.
Porém, tais atitudes resultaram num paradoxo que parece não preocupar alguns artistas e gestores das instituições culturais. Dentre as inúmeras questões a mais aparente é a consolidação de um estilo mundial de arte inscrito nas performances, instalações, intervenções coletivas, grafites, pichações e outros gestos identificados como formas de arte mais representativas da atualidade.
Ocorre, entretanto, que tais gestos já duram mais de vinte anos, ou seja, se projetam acima da média de vida de quase todo estilo internacional de arte. A história é farta em exemplos que nos confirmam que a longa permanência de um modo de arte conduz ao esgotamento levando grande parte da produção a procedimentos quase mecânicos e a ostensiva banalidade. É inconcebível, mesmo para um leigo, que artistas, diretores e curadores desconheçam o calendário das correntes estéticas da segunda metade do século XX, quando a Bienal de São Paulo passou a existir.
Uma rápida olhada sobre a descontinuidade de estilos pode esclarecer muita coisa. A pop art que surgiu na Inglaterra de meados dos anos 50 realizou todo o seu potencial na Nova York dos anos 60. O expressionismo abstrato dominou as décadas de 1940 e 1950. O minimalismo desenvolveu-se durante os anos 50/60 etc.
É, portanto, no mínimo curioso que as diversas variantes da produção artística atual, ligadas às referencias artísticas que antecedem os anos 80, sejam tão longevas.
Além disso, a relutância da Bienal de São Paulo em permanecer surda às criticas contra a idéia de reunir obras de arte em torno de um tema (2010- Arte Política –por exemplo) é uma teimosia típica das dinastias do passado. Na edição 2006, a falta de inspiração da cientista da criatividade responsável pela organização da Bienal, a levou a se apropriar de um “mote” de outros campos do saber para conferir substancia a sua proposta de vinculação da arte a teses de antropologia cultural. Foi nesse nicho que a cientista da criatividade escolheu o titulo Como Viver Junto, inspirado nos seminários de Roland Barthes no Collège de France realizados em 1976-77. O que essa escolha nos revela? Dentre os muitos tropeços, a falta de parâmetros apropriados ao tempo presente e uma enorme incompetência frente à diversidade da produção artística da atualidade. Reflexos objetivos dessa política podem ser vistos na perda da visibilidade pública das expressões estéticas comprometidas com a tecelagem de tramas simbólicas, ou seja, narrativas. Em resumo, na sua extensão mais objetiva essa política impõe uma visão “única” da arte da atualidade.
Atitude velha e comum ao autoritarismo. Seja em São Paulo, Kassel, Lisboa, Madri, Istambul ou Turquistão Oriental.