quarta-feira, fevereiro 23, 2011

Anunciado curador da 30.ª edição da mostra brasileira de arte, em 2012, o venezuelano Luis Pérez-Oramas detalha seu projeto

Por Camila Molina - Estadão, 15.2.11

BIENAL DOS LATINOS

O Retorno das Poéticas é o título do projeto do venezuelano Luis Pérez-Oramas para a 30.ª Bienal de São Paulo, que ocorrerá em 2012. Definido pela instituição como o curador-geral da próxima edição da mostra, Oramas sai a partir de abril de licença temporária do MoMA (Museu de Arte Moderna de Nova York), onde é curador de arte latino-americana, para se dedicar ao desenvolvimento da exposição brasileira. "Discute-se muito sobre o esgotamento do modelo Bienal, mas acho que com a de São Paulo é o contrário, porque ela tem uma história própria e um vínculo orgânico com a cidade", diz Oramas ao Estado, em entrevista por telefone.

Potencializar, como afirma o venezuelano, a relação entre o local e o internacional, com força na arte latino-americana, que vive seu "momento de ouro", vai ser o desafio de seu projeto para a 30.ª Bienal de São Paulo, programada para ser inaugurada em setembro do próximo ano no Pavilhão Ciccillo Matarazzo, no Parque do Ibirapuera. "Todas as ideias globais começam sendo ideias locais", continua Oramas. "A 30.ª Bienal será de revelação de artistas da América Latina que não foram suficientemente reconhecidos, sejam os de metade de carreira ou jovens", diz.

Colocar um estrangeiro com o estofo de Luis Pérez-Oramas à frente da próxima edição do evento vai ao encontro da política de internacionalização engendrada pela atual direção da Fundação Bienal de São Paulo. Mais ainda, não é de agora a relação do curador, que vive em Nova York, com o Brasil. Nascido em Caracas, em 1960, em 1998, ele fez a curadoria de mostra do pintor venezuelano Armando Reverón (1889-1954) na 24.ª Bienal de São Paulo; em 2007, foi cocurador da 6.ª Bienal do Mercosul, em Porto Alegre; e recentemente foi o responsável pela exposição O Alfabeto Enfurecido, com obras da suíço-brasileira Mira Schendel e do argentino León Ferrari e que entre 2009 e 2010 foi exibida no MoMA, no Museu Reina Sofia (Madri) e na Fundação Iberê Camargo. Ainda, o trabalho de Oramas - que também já foi curador da Coleção Patricia Phelps de Cisneros - no museu de Nova York tornou-se fundamental para a entrada de obras de artistas brasileiros para o acervo da instituição norte-americana, uma das mais importantes do mundo.

Campos. Desde outubro a Fundação Bienal de São Paulo veio realizando o processo de seleção do curador-geral da 30.ª mostra, iniciado com a sugestão de um primeiro time de 20 candidatos. Ao chegar ao filtro de 3 nomes, a instituição pediu, em novembro, que fizessem projetos para avaliação. O de Luis Pérez-Oramas, escolhido pela diretoria da Bienal, já tem seu orçamento em torno de R$ 25 milhões, como afirma o presidente da Fundação Bienal de São Paulo, Heitor Martins. Também estão previstas itinerâncias da 30.ª mostra em 2013. Oramas ainda indicará a representação brasileira na 55.ª Bienal de Veneza.

Definindo ainda O Retorno das Poéticas, o curador, que escolheu como cocuradores o alemão Tobi Maier e o artista gaúcho André Severo, cita que a próxima edição vai ser uma exposição balanceada entre "o excesso e o escasso" - no ano passado, a 29.ª Bienal exibiu 850 obras de 159 artistas - e com número considerável de obras criadas especialmente para o evento. "Uma Bienal de articulações e não de individualidades", completa Oramas. Sua meta é anunciar a lista de artistas até setembro deste ano.

O curador indica quatro "zonas" importantes de seu projeto, como a questão da memória; o tema de "como as poéticas alternam formas conhecidas"; as derivas na arte contemporânea; e as "vozes" - das obras e do público de arte.

Nesse sentido, a 30.ª Bienal não vai se restringir à mostra no prédio da instituição, mas contemplar o que o curador chama de "campos expandidos", ou seja, atividades que envolvam internet, rádio, comunidades locais, museus e instituições e o projeto educativo, que mais uma vez será coordenado pela artista e educadora Stela Barbieri.

Números

25 milhões de reais é o orçamento prévio da 30ª Bienal de São Paulo, programada para ser inaugurada em setembro de 2012

700 mil reais é o montante usado para a representação nacional brasileira este ano na 54ª Bienal de Veneza, que terá uma instalação de Artur Barrio, artista português radicado no Brasil

12 a 15 itinerâncias da 30ª Bienal pelo Brasil, em 2013, já integram o projeto selecionado

ELE E O BRASIL...



No mesmo pavilhão

Em 1998, Oramas realizou a curadoria de mostra do pintor venezuelano Armando Reverón(1889-1954) para o núcleo histórico da 24ª Bienal de São Paulo, considerada um marco.

Alfabeto Enfurecido
Luis Pérez-Oramas foi também responsável pela mostra com obras da artista suíço-brasileira Mira Schendel (1919-1988) e do argentino León Ferrari, nascido em 1920.



quarta-feira, fevereiro 16, 2011

Música: patrimônio imaterial do Brasil :: Por Rita Alves

Por Rita de Cássia Alves - Revista Lusofonia

A música se insere num contexto único, pois faz parte da cultura de um povo, ultrapassa os limites do concreto, e se funda como legitimação de uma maneira de expressão que ganha caráter de tradição e se contextualiza em sua época, registra subjetivamente a organização social e cultural de um determinado povo, de um determinado grupo.

A Música Popular Brasileira, nas suas mais diversas representações, proporciona para as atuais e futuras gerações o acesso a expressão, ao rosto, a feição de quem fez e faz a fusão cultural brasileira, uma das mais expressivas expressões musicais do planeta e, sem dúvida, o carro-chefe de nossa cultura, a mais abrangente e popular forma de expressão do povo brasileiro, patrimônio imaterial de nossa formação cultural.

Mais que em qualquer outra expressão cultural, é na música que podemos vivenciar a presença das diversas vertentes étnicas que forma nosso Brasil. Em especial, ao escrever para este site, que conjumina países de língua portuguesa, mais propriamente formadores de nossa gente, de nosso povo – lembrando Darcy Ribeiro – é prudente lembrar que em cada um dos diversos ritmos podemos fazer uma pesquisa de origem dos sons, das pessoas que se agregam em torno de determinados gêneros.

O impressionante é que, sabidamente, a língua portuguesa não tem uma estrutura e nem sonoridade acessível aos alheios e estranhos a ela, mas em oposição extrema está a capacidade de a música brasileira adentrar aos mais diversos nichos culturais, em quaisquer continentes, num testemunho de que a melodia, o ritmo, em comunhão com as palavras da nossa língua, exercem um poder soberano de sedução aos ouvidos, numa quase inexplicável harmonia que nos dá a graça de ter tanto grandes mestres clássicos, como Heitor Villa Lobos ou Carlos Gomes tanto quanto o samba em sua maior expressão: o carnaval.

Mesmo dentro destes gêneros aparentemente inconciliáveis, é possível perceber a preocupação do mestre Villa Lobos em recolher as mais simples expressões populares, sons que remetem às origens culturais, às produções de saberes locais, valorizando tradições caipiras, regionais, ao mesmo tempo em que busca romper com padrões limitadores da criação.

Assim também nos surpreende a criação dos grandes mestres do samba: Angenor de Oliveira, o ícone Cartola, Nelson Cavaquinho, Paulinho da Viola, poetas conhecedores da nossa língua – instintivamente alguns, outros estudiosos cuidadosos da estrutura lingüística que rege a nossa língua pátria, como Caetano Veloso e Chico Buarque de Holanda.

A nossa constituição federal, em seu artigo 216 define muito bem o significado deste patrimônio nacional : Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”(…)”

Assim, torna-se possível não apenas deleitar-se com a expressão maior de nossa cultura, mas gerar cultura através dela, identificando-a como um patrimônio a ser preservado.

A constituição atribui ao poder público a responsabilidade de promover, proteger e conservar o patrimônio cultural brasileiro, em seu parágrafo 1º, artigo 216: “O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.”

Por isso enumerar aqui ritmos e etnias que compõe a nossa música é tarefa de árduo labor, fruto de pesquisas de homens idealistas, musicólogos, antropólogos, historiadores incansáveis que têm recolhido, tal qual o professor doutor Edilson de Lima, partituras das nossas Modinhas, cantigas do século XVII, XVII, para que não se perca parte importante de nossa formação musical, a música barroca; ou então Ricardo Cravo Albim, que recolhe em seu instituto fantástico acervo das diversas expressões, ou ainda Mário Luiz Thompson, fotógrafo que dedicou toda a sua vida a registrar a imagem visual da nossa música.

Pudera, música que tem em sua lista tantos virtuoses como Dorival Caymmi, Tom Jobim, Chiquinha Gonzaga, Altamiro Carrilho (a lista seria interminável) precisará ter espaços e suportes para gerir um patrimônio desta magnitude.