domingo, julho 18, 2010

"A Bienal esmagou a arte brasileira"

Vik Muniz

para Ivan Claudio da ISTOÉ - 20.04.2009


O artista plástico experimenta o gosto da popularidade e diz que a Bienal de São Paulo boicota os novos talentos.

ISTOÉ - Megamostras como a Bienal de São Paulo, que corre o risco de não acontecer no ano que vem, ainda fazem sentido?


VIK MUNIZ - Eu nunca acreditei muito nessas megamostras, acho que elas precisam ter um desenho diferente. Quando expus em Veneza, alguém me perguntou se eu não estava contente por ter meu trabalho visto por 30 mil pessoas. Eu disse que estaria mais contente se elas não estivessem vendo 30 mil outros artistas.


ISTOÉ - O sr. não acha que hoje os artistas têm uma visibilidade maior?


VIK MUNIZ - Somos ainda muito poucos. Rivane Neuenschwander, Ernesto Neto, Beatriz Milhazes, nós somos todos amigos, temos o celular um do outro. É ridículo. Uma bienal acontece de dois em dois anos para atualizar o público com uma mostra que abrange a produção de um país. O interesse dela é a contemporaneidade, não o tamanho. Cada vez mais a representação nacional foi sendo esmagada, ficou menor e menos importante. Isso tem que ser completamente mudado.


ISTOÉ - A Bienal ainda projeta a arte brasileira internacionalmente?


MUNIZ -Mas qual arte brasileira? Hélio Oiticica e Lygia Clark? Todo mundo os conhece. Arte brasileira não é só Hélio e Lygia, que são excelentes artistas. E os jovens? São centenas, milhares de pessoas que vivem esse sonho de expor numa galeria no Exterior e dependem desse público que vem de dois em dois anos para ver a Bienal. É quando os jovens têm uma chance de mostrar sua obra. Mesmo que só a vejam e não a comprem.


ISTOÉ - No Rio de Janeiro, sua exposicao foi vista por mais de 40 mil pessoas. Qual é o gosto da popularidade?


MUNIZ - Um taxista que me levava para o aeroporto Antônio Carlos Jobim me recomendou a mostra. Disse que tinha uma exposição em cartaz que eu não podia perder. Eu falei que era minha e ele disse que eu estava de sacanagem. Isso para mim é mais importante que o sucesso de crítica.


ISTOÉ - A opinião do taxista vale mais que uma resenha positiva?


MUNIZ - As duas opiniões são importantes. Mas estou cansado desse meu público, de fazer uma exposição de sucesso com uma crítica boa no The New York Times e ter 1.500 visitantes ao final. Não é nem pelo número de pessoas. É pelo perfil de quem vai ver.


ISTOÉ - Que público o sr. almeja?


MUNIZ - Meu público hoje é feito de crianças, vovós, do guarda do museu, do manobrista. Faço arte para todo mundo. Quero ser visto pela família inteira e também pela empregada. Criança, então, é o crítico mais difícil. Se ela não gosta, logo diz: isso é uma porcaria. No Rio tinha um mar de crianças e elas estavam adorando.


ISTOÉ - Essa posição não é comum na arte contemporânea.


MUNIZ - O artista tem sempre essa coisa paranoica de pensar que ninguém o entende. Na verdade, isso é uma lorota. Quando ele escuta de uma pessoa comum que o trabalho dele o fez ver as coisas de modo diferente, é o melhor dia da vida dele.


ISTOÉ - O sr. fez um retrato do presidente Lula só com confetes de páginas de revistas. Como se aproximou dele?


MUNIZ - Foi em Ribeirão Preto, na inauguração de uma usina. Como ele estava no cerimonial, consegui 15 minutos e o fotografei. Ele perguntou para o que era e eu falei que era artista plástico. Ele não me conhecia.


ISTOÉ - O sr. mandou o trabalho para ele?


MUNIZ - Não, ele não pediu.


ISTOÉ - O sr. esperava esse sucesso no Brasil?


MUNIZ - Não esperava, mas sonhava com ele. A primeira vez que meus pais foram a um museu foi para ver um trabalho meu. E pela expressão deles, via como estavam aterrorizados. Exposições de arte contemporânea são um ambiente um tanto opressivo, lidam com códigos e linguagens aos quais as pessoas não têm acesso. É uma coisa sinistra. Se você vai visitar uma galeria em Nova York, tem sempre um cara sentado numa cadeira alta, olhando para você com uma cara pernóstica. Eu fico pensando quanto esse sistema de galerias prejudica o artista.


ISTOÉ - Por quê?


MUNIZ - A galeria está ali para vender, mas o artista tem sede de comunicação. Ele quer se comunicar com o homem comum, que não é burro. Você deve ao público uma arte que é ao mesmo tempo inteligente e acessível. Os Simpsons, por exemplo, é apreciado por um Ph.D. da Universidade de Harvard e por uma criança de três anos. Esse é o grande desafio da arte contemporânea no século XXI.


ISTOÉ - Por que as galerias estão sempre vazias?


MUNIZ - As pessoas não entram e acho isso um erro. Não é só a galeria que inibe. A crítica também intimida porque ela tem uma terminologia erudita. Do outro lado, os museus estão voltados para a educação e não para a percepção. É uma admiração pelos mestres, parece que você tem de ajoelhar diante de certos quadros porque foram feitos por determinados artistas. O uso que faço da história da arte em meus trabalhos é uma forma de banalizar isso. Coloco um Rafael ao lado de um Bosch.


ISTOÉ - O sr. acha que as pessoas precisam de uma educação visual?


MUNIZ - Tenho conversado com muitas pessoas sobre a possibilidade de desenvolver um sério programa de alfabetização visual.


ISTOÉ - O sr. acha que as pessoas precisam de uma educação visual?


MUNIZ - Tenho conversado com muitas pessoas sobre a possibilidade de desenvolver um sério programa de alfabetização visual. Tenho 47 anos, a mesma idade de Barack Obama, estou chegando à idade do poder. O que eu quero fazer antes de morrer é tentar elevar a imagem ao nível da linguagem escrita como uma disciplina escolar. Isso não é tão dificil de fazer. Se acontecesse no Brasil, o País seria pioneiro. Tem condições de fazê-lo porque é um país onde a estrutura de mídia é enorme e sofisticada.


ISTOÉ - Mas justamente no Brasil onde a telenovela é hegemônica?


MUNIZ - A novela tem um efeito incrível porque é interativa. Ela é feita na medida em que a pesquisa indica quem o público quer que morra, quem o público quer que viva.


ISTOÉ - O sr. acompanha novela?


MUNIZ - Acompanho tudo. É claro que não vejo sempre. Vejo pedaços. Caminho das Índias, por exemplo, eu adoro. Eu gosto das novelas da Glória Perez. Elas são absurdas. Acho incrível se reproduzir a Índia no Projac com todos os seus estereótipos.


ISTOÉ - O sr. gosta pelo lado kitsch?


MUNIZ - Até que não. Acho a novela um espelho da sociedade, ela reflete o que as pessoas querem ver, tem essa generosidade. É possível enxergar muito do brasileiro nas tramas. Ela não é uma coisa independente, que molda a cabeça das pessoas. São as pessoas que moldam as novelas. Isso é formidável, é único.


ISTOÉ - De que novelas o sr. gostou?


MUNIZ - Gostei de América, de O clone. Lembro de uma cena formidável de América em que a Deborah Secco se escondia atrás dos carros nas ruas de Miami para a imigração não pegá-la. Eu ria tanto daquilo. Tinha uma coisa irreal. É como ler García Márquez ou Italo Calvino.


ISTOÉ - O que o sr. acha de outros artistas copiarem o seu estilo?


MUNIZ - Outro dia eu estava em São Paulo e as pessoas me disseram que haviam adorado o retrato que eu fiz da Hebe Camargo. Eu disse que até gostaria de ter feito um retrato dela, mas não tinha feito. Aconteceu a mesma coisa com o Gianecchini, que eu também nunca fiz. Teve também o caso de um restaurante, que tinha ilustrações feitas com comida, parecidas com meu trabalho. Minhas obras já venderam desde panetone até creme vaginal.


ISTOÉ - O sr. não faz nada para impedir isso?


MUNIZ - É uma hipocrisia muito grande você ter copyright sobre imagem e não sobre uma técnica. Eu não gosto nem de um nem de outro. O direito autoral atrasa o processo de desenvolvimento da imagem. Se alguém quiser copiar qualquer coisa minha, que copie. Não tem de pedir permissão.


ISTOÉ - O sr. pede permissão para fazer um retrato de uma celebridade?


MUNIZ - Quando uso uma foto existente, como no caso dos retratos de atrizes com diamantes, tenho de pedir autorização ao fotógrafo e ao retratado. A Elizabeth Taylor, por exemplo, pediu uma foto para ela e outra para o seu instituto de combate à Aids.


ISTOÉ - Suas fotos de diamantes são mais caras que os diamantes?


MUNIZ - Acabam sendo porque eles são, na verdade, muito pequenos. Foram ampliados. Os diamantes valem, ao todo, US$ 650 mil e foram emprestados. Acho esse paradoxo lindo. Parece com a história do Picasso. Ele viu uma casa belíssima, fez um desenho da casa e o trocou por ela. Isso é alquimia.


ISTOÉ - O sr. não acha perverso fazer trabalhos com lixo e colocá-los dentro da casa de pessoas ricas?


MUNIZ - O lixo representa toda história que a gente não quer contar. Se o rastro de resíduos que produzimos durante a vida nos seguisse seria a coisa mais vergonhosa que existe. Estamos sempre tentando esconder o lixo que produzimos, em todos os sentidos. Isso tem a ver com a morte, com o que não usamos mais. Não vejo como perversidade. Seria se eu estivesse colocando lixo real na casa das pessoas.


ISTOÉ - O sr. compra obra de arte?


MUNIZ - Só de artistas jovens. Compro com pouco dinheiro e só quando vejo um artista de talento. Tenho uma coleção de arte contemporânea, mas ela é feita de obras trocadas com artistas que conheço.


ISTOÉ - Vik Muniz é um bom investimento?


MUNIZ - Estou superfeliz com os meus preços. Um artigo do The New York Times disse que era uma injustiça porque artistas da minha geração, como Thomas Demand e Thomas Struth, estavam vendendo trabalhos por US$ 150 mil e eu por US$ 40 mil. Eu liguei para o jornal e reclamei. Quem põe o preço no meu trabalho sou eu. Olho para ele e pergunto: "Quanto eu pagaria por isso? Não pagaria mais que US$ 40 mil."

Do Fazer ao Exibir-se

Por Ferreira Gullar,
para a Folha de SP - 18.07.2010

Ferreira Gullar foi questionado sobre o fundamento do vanguardismo nas artes plásticas. Qual fator o fez manter-se só neste campo?

POR QUE o radicalismo de vanguarda, que surgiu com o movimento "dada", por volta de 1915, atravessou o século 20 e até hoje se mantém como tendência predominante nas artes plásticas? Formulei essa pergunta há alguns anos sem conseguir respondê-la satisfatoriamente. Como se sabe, o movimento "dada", que teve como figuras principais Marcel Duchamp e Tristan Tzara -sem falar em Kurt Schwitters, Hans Arp e muitos outros-, caracterizou-se por um radicalismo que se voltava contra toda e qualquer busca de coerência ou princípios no processo de criação artística. Se é verdade que o cubismo pôs fim à linguagem pictórica que nascera no Renascimento, o dadaísmo, ao contrário dos movimentos derivados daquele, tinha por lema a liberdade sem limites e a negação de tudo o que se considerasse arte. Era a antiarte, cujo ícone maior foi o urinol que Duchamp expôs em 1917. Se, paralelamente, surgiram outros movimentos artísticos, alguns, aliás, de caráter construtivo, foi o cadaísmo, em sua expressão mais irreverente, que se impôs no curso do século 20.

Minha pergunta implicava outra questão: se os movimentos de vanguarda se manifestaram não apenas nas artes plásticas, mas também na poesia, no romance, na música, no teatro, por que só naquelas se manteve dominante até hoje, enquanto as outras artes, depois de absorverem inovações vanguardistas, retornaram, enriquecidas, a seu leito natural?
Por exemplo, a poesia dadaísta chegou, após a "Ursonate", de Schwitters, a poemas que, em lugar de palavras, usavam traços, sinais abstratos. O caso extremo do experimentalismo na literatura foi o "Finnegans Wake", de James Joyce.
Felizmente, a literatura de ficção não o tomou como exemplo a seguir, como as artes plásticas o fizeram com o urinol de Marcel Duchamp. Se isso houvesse ocorrido, não teríamos hoje as obras de Borges, Faulkner, Clarice Lispector etc. Sem exagero, a literatura ter-se-ia tornado indecifrável e ilegível.

Diante disso, questionei o fundamento desse vanguardismo que só se manteve nas artes plásticas. Qual fator o fez manter-se apenas neste campo, e não nos outros? Deduzi eu que, se fosse uma necessidade da época, teria se mantido em todas as outras artes. Esse me parecia um argumento lógico, mas não me satisfazia, mesmo porque a vanguarda, em qualquer campo que se manifestou, nascera de fatores históricos identificáveis. A pergunta permaneceu, portanto, sem resposta, até que, quase por acaso, julgo tê-la encontrado. Não pensava nesse problema, quando observei que, no passado, não havia exposições de arte, mesmo porque ainda não se inventara o quadro de cavalete: o artista pintava afrescos nos muros dos mosteiros e igrejas e, depois, nas paredes dos palácios dos nobres e das mansões dos burgueses. Como o número de paredes era limitado, foi preciso surgir o quadro de cavalete para nascer o colecionador de arte, que passou a ir ao ateliê do artista e ali comprava a tela que lhe agradasse. O artista não expunha suas obras. Só no século 19 criaram-se os salões de arte, onde passou a expor. Distribuíam-se prêmios que, por consequência, determinavam o valor das obras no incipiente mercado de arte. E aí surgiram as galerias e os marchands.

Expor obras é um fenômeno relativamente recente na história da arte. Da Vinci, Rafael, Ticiano não expunham suas obras e isso influía no resultado do que criavam. No século 20, surgiram as grandes mostras internacionais, como a Bienal de Veneza, a de São Paulo e outros certames que se tornaram o espaço onde a arte acontece: um depende do outro. Essas exposições internacionais é que garantiram a sobrevida da vanguarda, estimulando o artista a produzir obras que "aconteceriam" ali. Ele trabalha para grandes mostras e necessita impactar o espectador, ao contrário do pintor do passado, preocupado em criar obras permanentes, que dele exigiam dedicação e apuro técnico.
Creio ser essa uma das razões por que a chamada arte contemporânea não elabora uma linguagem, não requer domínio técnico, já que o artista não busca a permanência e, sim, antes de tudo, expor e expor-se. Daí o improviso: as instalações, os "happenings", as performances.

A arte virou uma grande piada, as Bienais uma reunião de piadas sem graça

Por: Vauluzio Bezerra
Sergipano, radicado na Bahia, 57 anos, artista visual

A Bienal de São Paulo me soa como o Salão do automovel, carros conceito, idéias mirabolantes seguindo as demandas modistas do mundo. Ali os artistas complementam sua formação junto aos livros da Taschen, um ou outro catálogo e pronto, as galerias locais se municiarão de novos artistas, ou artistas já estabelecidos mas renovados de alguma adição "inteligente", "sacação", substituem com pragmatismo as velhas imersões das teorias de arte.

Não há mais o que teorizar, não há na arte um sistema inteligível que possamos nos apegar com algum sentido classificatório, Darwin, Marx, Freud perderam o sentido.Só a arte feminina quando alguma curadora com formação Lacaniana consegue dar algum sentido para a feminilização do mundo, ou outro curador das minorias pesca o conceito do "OUTRO" e reune etnias para o circo das artes que também não é diferente da formula um e suas aerodinamicas tão discutidas mas que nunca percebemos. A Arte Contemporânea se tornou por demais ïnteligente, a sociedade contemporanea ficou inteligente demais, no dizer de Agnaldo Faria, "para uma sociedade complexa, uma arte complexa" , tem também aquela do Fernando Cochiaralle a respeito da absoluta falta de sentido de um conjunto de artistas reunidos sob sua curadoria, "Situações Transitivas".

Acho que a arte em nenhum momento da sua história foi santa, tenho um trabalho em que uso o ícone da loba e Romulo e Remo que substituo por uma hiena, animal de mandíbula mais forte que o leão, mas espera o rei terminar se repasto para comer o resto. "RESTO" é também um conceito Lacaniano, grosso modo diz respeito a tudo que é posto em baixo do tapete iraniano da civilização ocidental. Assim, são os artistas, HIENAS, secundários na escala alimentícia, vive das sobras do captalismo e hoje são mais subservientes, pois um dos novos conceitos do contemporaneo é a destruição do que chamam "autoralidade", estaria aqui um senso socialista? A arte é uma grande piada, as Bienais uma reunião de piadas sem graça, pois criticos, curadores e marchands não são comediantes nem palhaços, nós os artistas sim, bobinho, bobinhos da Corte.