Se queres ser universal, comece por pintar a sua aldeia. Leão Tolstoi (1828-1910)
É muito importante a preservação das manifestações espontâneas da nossa cultura popular. Principalmente as do Nordeste, de uma riqueza imensa. Todas as manifestações populares do povo do Nordeste, como artesanato, arte e cultura, messianismo, religiosidade, as represento através da apropriação do ex-voto, que, no meu trabalho, é um signo/símbolo para expressar toda esta riqueza, todo o meu pensamento e todo o meu sentimento. Desde o início da minha carreira que penso assim. O surgimento da obra de arte na minha pintura é decorrente da transfiguração de uma temática abrangente da cultura e arte do Nordeste brasileiro, associada a uma linguagem contemporânea internacional vigente na época. A forma muda conforme aparecem novas linguagens, mas o conteúdo permanece o mesmo. É uma busca incessante por uma identidade cultural brasileira. Isto acontece até hoje, sempre coerente com o meu pensamento, sem fazer qualquer tipo de concessão.
As nações desenvolvidas que possuem uma grande tradição de cultura e arte, a começar pelos clássicos Gregos e Romanos, sempre mudaram, ao correr dos tempos, a forma de suas criações artísticas. Surge, assim, o que hoje chamamos de linguagens contemporâneas. Estas linguagens, que surgiram não importa o país de origem, levavam muito tempo para serem adotadas internacionalmente.
Hoje, devido aos meios de comunicação cada vez mais eficientes, elas chegam com muita rapidez, são adotadas e se extinguem também muito depressa, dando lugar ao aparecimento de outras novas. No mundo globalizado, cada nação valoriza sua cultura, sua arte popular e sua arte erudita, sem haver, entretanto, nenhuma supremacia entre elas. Mas o que é representativo no mundo da arte internacional é a arte erudita. No meu trabalho, dentro da fase antropomórfica, usei a linguagem pop acoplando ex-votos originais aos suportes das pinturas. Alguns destes trabalhos fizeram parte da Representação Brasileira à 21ª Bienal Internacional de São Paulo. Anteriormente já havia participado mais duas vezes desta importante Bienal.
No Brasil, todas as linguagens contemporâneas estão em evidência, com nossos artistas expondo inclusive no exterior. Valorizar uma em detrimento da outra, seja por qualquer motivo, inclusive político, é um equívoco. Não respeitar e excluir os artistas que no passado remoto ou recente deram ou continuam dando uma grande contribuição à arte e cultura local, com certeza, é uma atitude intolerável de censura. É uma atitude inconcebível numa democracia. Entretanto é passageira, porque ela não destrói a obra, apenas a ignora. Por isso sempre digo e repito: o importante em qualquer artista é a sua obra. Se a obra foi elaborada dentro de uma linguagem contemporânea da época, com certeza ela já está na História, e permanecerá, mesmo que seja de um artista erudito, popular ou mesmo um artesão. Um bom exemplo é o pintor "naif" ou "primitivo" francês Henri Rousseau, chamado Le Doanier, por ser inspetor de alfândega. Podemos citar alguns pintores primitivos brasileiros que já estão na nossa história, como Heitor dos Prazeres, José Antonio da Silva, Cardoso e Silva, Silvia Leon Chalreo, Aurelino, João Alves, Manezinho Araújo e muitos outros. O que prevalece nos artistas eruditos, e nos primitivos, é que eles possuem uma obra. O que é mais importante em um artista é a sua obra. Esta é o que fica.
Foram os ditadores nazistas, fascistas e comunistas que tentaram destruir a arte contemporânea da época, no período em que exerciam o poder. Hitler mandou fechar a Bauhaus, a grande escola de design, e chamou a arte da época de "arte degenerada". Ou na época de Stalin que, igualmente aos outros, decretou a arte realista como a oficial. Os artistas deviam exaltar o partido e seus governantes. Com isso a grande maioria teve de fugir para a França ou Estados Unidos, onde produziram suas obras, que hoje estão em diversos museus do mundo.
No período ditatorial brasileiro, sucedeu a mesma coisa. Muitos artistas, de várias linguagens, sofreram terríveis perseguições. Porém aqui não é o caso de detalhar, mas somente dizer que, hoje, muitos estão em evidência no cenário da arte e da cultura no Brasil. Sendo que alguns são artistas eruditos que usaram a temática popular.
Em nosso país foram os literatos os primeiros a trabalhar a identidade cultural brasileira. Eles começaram pela transfiguração da cultura popular do Nordeste. José Américo de Almeida foi o primeiro com "A Bagaceira", de 1928. Depois vieram muitos, entre eles, Jorge Amado, José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, Mario Sette, Ascenso Ferreira, Ariano Suassuna, Gilberto Freire, entre outros. Gilberto Freire, no livro "Nordeste", usa pela primeira vez o termo ECOLOGIA e, com chamada de página, explica o seu significado. Ele denunciava o escoamento na natureza pelas usinas de açúcar, do vinhoto, que é um elemento venenoso. No meu trabalho e no de muitos artistas baianos, a preocupação é a mesma dos literatos. A minha geração, hoje chamada de "Geração MAPA", tem, sobretudo, uma influência muito grande dos escritos de Mario de Andrade.
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