A música se insere num contexto único, pois faz parte da cultura de um povo, ultrapassa os limites do concreto, e se funda como legitimação de uma maneira de expressão que ganha caráter de tradição e se contextualiza em sua época, registra subjetivamente a organização social e cultural de um determinado povo, de um determinado grupo.
A Música Popular Brasileira, nas suas mais diversas representações, proporciona para as atuais e futuras gerações o acesso a expressão, ao rosto, a feição de quem fez e faz a fusão cultural brasileira, uma das mais expressivas expressões musicais do planeta e, sem dúvida, o carro-chefe de nossa cultura, a mais abrangente e popular forma de expressão do povo brasileiro, patrimônio imaterial de nossa formação cultural.
Mais que em qualquer outra expressão cultural, é na música que podemos vivenciar a presença das diversas vertentes étnicas que forma nosso Brasil. Em especial, ao escrever para este site, que conjumina países de língua portuguesa, mais propriamente formadores de nossa gente, de nosso povo – lembrando Darcy Ribeiro – é prudente lembrar que em cada um dos diversos ritmos podemos fazer uma pesquisa de origem dos sons, das pessoas que se agregam em torno de determinados gêneros.
O impressionante é que, sabidamente, a língua portuguesa não tem uma estrutura e nem sonoridade acessível aos alheios e estranhos a ela, mas em oposição extrema está a capacidade de a música brasileira adentrar aos mais diversos nichos culturais, em quaisquer continentes, num testemunho de que a melodia, o ritmo, em comunhão com as palavras da nossa língua, exercem um poder soberano de sedução aos ouvidos, numa quase inexplicável harmonia que nos dá a graça de ter tanto grandes mestres clássicos, como Heitor Villa Lobos ou Carlos Gomes tanto quanto o samba em sua maior expressão: o carnaval.
Mesmo dentro destes gêneros aparentemente inconciliáveis, é possível perceber a preocupação do mestre Villa Lobos em recolher as mais simples expressões populares, sons que remetem às origens culturais, às produções de saberes locais, valorizando tradições caipiras, regionais, ao mesmo tempo em que busca romper com padrões limitadores da criação.
Assim também nos surpreende a criação dos grandes mestres do samba: Angenor de Oliveira, o ícone Cartola, Nelson Cavaquinho, Paulinho da Viola, poetas conhecedores da nossa língua – instintivamente alguns, outros estudiosos cuidadosos da estrutura lingüística que rege a nossa língua pátria, como Caetano Veloso e Chico Buarque de Holanda.
A nossa constituição federal, em seu artigo 216 define muito bem o significado deste patrimônio nacional : Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”(…)”
Assim, torna-se possível não apenas deleitar-se com a expressão maior de nossa cultura, mas gerar cultura através dela, identificando-a como um patrimônio a ser preservado.
A constituição atribui ao poder público a responsabilidade de promover, proteger e conservar o patrimônio cultural brasileiro, em seu parágrafo 1º, artigo 216: “O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.”
Por isso enumerar aqui ritmos e etnias que compõe a nossa música é tarefa de árduo labor, fruto de pesquisas de homens idealistas, musicólogos, antropólogos, historiadores incansáveis que têm recolhido, tal qual o professor doutor Edilson de Lima, partituras das nossas Modinhas, cantigas do século XVII, XVII, para que não se perca parte importante de nossa formação musical, a música barroca; ou então Ricardo Cravo Albim, que recolhe em seu instituto fantástico acervo das diversas expressões, ou ainda Mário Luiz Thompson, fotógrafo que dedicou toda a sua vida a registrar a imagem visual da nossa música.
Pudera, música que tem em sua lista tantos virtuoses como Dorival Caymmi, Tom Jobim, Chiquinha Gonzaga, Altamiro Carrilho (a lista seria interminável) precisará ter espaços e suportes para gerir um patrimônio desta magnitude.