quarta-feira, dezembro 29, 2010

Cores de uma obra de arte rupestre vêm de microorganismos

Por: Natasha Romanzoti - HypeScience em 29.12.2010
Fonte: BBC

Um tipo particular de arte rupestre, na Austrália Ocidental, mantém até hoje cores vivas, apesar de sua idade, o que poderia intrigar muita gente. Agora, pesquisadores descobriram por que: as pinturas estão vivas.

Calma; não é bem a pintura que está viva literalmente. É que ela é colonizada por bactérias e fungos coloridos. Enquanto algumas artes rupestres desaparecem em centenas de anos, a “Bradshaw” continua a ser colorida depois de pelo menos 40.000 anos, graças a esses “biofilmes” de bactérias.

Pesquisadores estudaram 80 dessas obras Bradshaw, nomeadas em homenagem ao naturalista do século 19 que as identificou, em 16 locais na região da Austrália Ocidental. Eles se concentram em duas das mais antigas pinturas Bradshaw, Tassel e Sash, e constataram que a grande maioria delas apresentava sinais de vida, mas não pintura. A equipe apelidou o fenômeno de “pigmentos vivos”.

Segundo os cientistas, os pigmentos da tinta original foram substituídos por microorganismos pigmentados. Estes organismos vivos podem se reabastecer ao longo de milênios, o que pode explicar a aparência fresca das pinturas.

As espécies exatas envolvidas nas colorações da arte ainda não foram identificadas, e os pesquisadores alertam que as condições adversas da região podem dificultar futuras pesquisas.

Entre os habitantes mais frequentes da obra de arte está um fungo preto, provavelmente do grupo conhecido como Chaetothyriales. Sucessivas gerações destes fungos crescem pela canibalização de seus antecessores. Isso significa que, se a camada de tinta inicial, de dezenas de milhares de anos atrás, tivesse esporos de fungo no seu interior, os atuais habitantes podem ser descendentes diretos.

A equipe também observou que a pintura original pode ter tido nutrientes que deram o “pontapé inicial” para uma relação mútua entre os fungos pretos e bactérias vermelhas que muitas vezes aparecem juntos. Os fungos podem fornecer água para as bactérias, enquanto as bactérias fornecem carboidratos para os fungos.

A sugestão dos “pigmentos vivos” também pode explicar porque as tentativas de datar a arte rupestre eram inconsistentes: apesar das pinturas serem antigas, a vida que enche seus contornos é bastante recente. E datar as artes individuais de Bradshaw é crucial para qualquer compreensão mais profunda de seu significado e desenvolvimento.

Hoje, esta possibilidade está muito longe, mas o biofilme oferece um caminho possível. Segundo os pesquisadores, é possível encontrar uma data através da evolução da sequência do DNA das bactérias, mas isso pode levar um tempo.

Estudos como esse podem ajudar arqueólogos do mundo inteiro a levar em conta os efeitos que a própria vida pode ter sobre a arte. Por exemplo, a pesquisa mostra que alguns microorganismos estão convivendo com os pigmentos e não os destruindo, que geralmente é o pensamento associado às bactérias.

A pesquisa também levanta a questão de investigar se os artistas de Bradshaw sabiam dos efeitos a longo prazo dos pigmentos específicos que usaram em suas obras.

Ano morno de promessas frustradas

Camila Molina - O Estado de S.Paulo
29 de dezembro de 2010

Bienal, a despeito dos esforços para reerguer a mostra, não deu visibilidade à obra do transgressor Flávio de Carvalho; novo prédio do Museu de Arte Contemporânea também não ficou pronto.


Foto: José Luis da Conceição/AE
Retrospectiva. A Estação Pinacoteca respondeu por uma das melhores exposições, mostra reuniu trabalhos do pai da arte pop americana, Andy Warhol

A expectativa pela 29.ª Bienal de São Paulo prometia um ano mais vibrante para as artes visuais - pelo menos, na capital paulistana -, mas, afinal, em termos de programação, sem grande impacto viu-se 2010 marcado por mostras institucionais com destaque mais para artistas estrangeiros do que para brasileiros.

O otimismo do início de ano ainda se estendeu para o mercado, com a marca, em fevereiro, de novo recorde de venda em leilão: a escultura de bronze L"Homme Qui Marche I (O Homem Que Caminha I), do artista suíço Alberto Giacometti (1901-1966), foi arrematada em Londres por US$ 104,3 milhões, batendo, por pouco, os US$ 104,2 milhões pelos quais foi vendido, em 2004, o quadro Garçon a la Pipe (Menino com Cachimbo), de Picasso. Mas, infelizmente, a onda da crise econômica, principalmente, na Europa, abafou os ânimos do mercado mundial.

Mas, no caso do Brasil, houve a constância do que se pode definir como uma boa safra. Um termômetro certamente é a SP-Arte, a feira internacional de obras contemporâneas e modernas, que teve em 2010 sua 6.ª edição, no Pavilhão da Bienal. O evento aumentou de tamanho e contabilizou volume 15% maior de vendas comparado a 2009. Outro fator que indicou a pulsão do mercado brasileiro, ainda, foi um movimento de galerias paulistanas inaugurando, na cidade, espaços novos e ampliados - como a Marília Razuk, Luisa Strina e, futuramente, Raquel Arnaud - e, também, a abertura do galpão da Baró/Emma Thomas e a criação da Zíper Galeria, nos Jardins, por exemplo.

Mais ainda, em termos de recursos, o que dizer da Fundação Bienal de São Paulo? Graças ao esforço e trabalho da diretoria presidida pelo empresário Heitor Martins, a instituição está com suas contas em dia e conseguiu arrecadar a totalidade do montante que necessitava para realizar a 29.ª edição de sua mostra (leia mais ao lado) - orçada, afinal, em R$ 23,5 milhões - e também patrocínio para o início da reforma de seu prédio.

Antologias. No ano em que as artes visuais perderam a escultora francesa naturalizada americana Louise Bourgeois (aos 98 anos, em 31 de maio); o pintor alemão Sigmar Polke (aos 69 anos em 11 de junho); e os artistas paulistanos Wesley Duke Lee (aos 78 anos, em 13 de setembro) e Hércules Barsotti (aos 96 anos, no dia 21), é possível relacionar mais exposições de destaque de criadores de outros países.

São Paulo, principalmente, e Rio, abrigaram antologias importantes de estrangeiros, como a do pai da arte pop americana Andy Warhol (Estação Pinacoteca); da alemã Rebecca Horn (CCBB); do belga multimídia Jan Fabre (Instituto Tomie Ohtake); dos alemães Joseph Beuys (Sesc Pompeia/Videobrasil) e Georg Baselitz (Estação Pinacoteca); e dos americanos Fred Sandback (Instituto Moreira Salles) e a cult Laurie Anderson (CCBB).

Já na seara de brasileiros, a promessa de se fazer acender o espírito transgressor de Flávio de Carvalho (1899-1973) foi maior do que a realização de atividades em torno do artista. A retrospectiva no MAM, em abril, ficou destituída de sedução, perdendo-se no excesso de documentações e apresentando apenas as pinturas do modernista. Já a presença de Carvalho na 29.ª Bienal ficou quase totalmente apagada.

Outra promessa do ano era a abertura da nova sede do Museu de Arte Contemporânea da USP (MAC) no antigo prédio do Detran, no Ibirapuera, mas o espaço só ficará pronto em 2011. Com área expositiva de 10 mil m² - e, segundo o secretário de Cultura Andrea Matarazzo, com obra orçada em um total que chegará a cerca de R$ 70 milhões bancados pela Secretaria de Estado da Cultura -, o novo prédio do MAC deve ser inaugurado só depois de março.

Ainda na linha de eventos dedicados a criadores nacionais, um dos destaques de 2010 certamente foi a mostra antológica que a Estação Pinacoteca apresentou, em setembro, da produção de Carmela Gross, perpassando sua carreira desde a década de 1960 até hoje. A exposição mesclou a secura de trabalhos diretamente políticos, como a obra Presunto, grande corpo amorfo de lona estofada criado em 1968, e o rigor e poesia de Projeto para a Construção de Um Céu (1981). No time de criadoras, vale também destacar a intervenção Tramazul que Regina Silveira realizou por toda a fachada do Masp, na Avenida Paulista (que ficará em exibição no local até meados de janeiro). No edifício, Regina fez o que seria a projeção de um céu azul bordado no local, suspenso na arquitetura.

Já no Rio, duas mostras que tiveram muitos elogios ocorreram no MAM carioca: Fruto Estranho, de Nuno Ramos, e Salas e Abismos, de Waltercio Caldas. Voltando ao campo das antologias chegou este ano, em abril, ao País (Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre), a mostra O Alfabeto Enfurecido, dedicada à suíça radicada brasileira Mira Schendel e ao argentino Leon Ferrari.

A exposição, primeiramente apresentada no Museum of Modern Arte (MoMA) de Nova York, e no Museu Reina Sofia, de Madri, reforçou o prestígio de Mira no circuito internacional. Ao mesmo tempo, a mostra Anywhere Is My Land, com a produção dos anos 1960 e 70 do artista Antonio Dias, enfim foi apresentada na Pinacoteca do Estado depois de ser exibida no espaço da Coleção Daros-Latinamerica, em Zurique.

David Hockney reúne em exposição desenhos feitos em iPhone e iPad

Ana Paula Sousa - Folha de SP/Ilustrada, 29.12.2010
Enviada Especial à Paris

E eis que da tela fez-se o pincel. Com o mesmo toque de dedo que nos faz alcançar um número de telefone ou o mapa de uma estrada, David Hockney, 73, criou cores, formas. Flores.

O pintor britânico reencontrou-se com o desenho quando, deitado na cama, na costa leste da Inglaterra, pegou o iPhone e, empurrado pela própria natureza de artista, se flagrou a transferir para a pequena tela o nascer do sol que via pela janela.

"Eu não teria desenhado a aurora se eu tivesse um lápis e um papel à mão. Foi a luminosidade da tela que me incitou", descreve, no texto feito para a exposição "David Hockney, Fleurs fraîches" (flores frescas), em cartaz na Fundação Pierre Bergé - Yves Saint Laurent, em Paris.

A mostra, que fica aberta até o dia 30 de janeiro, reúne 200 desenhos que Hockney, um dos mais importantes artistas contemporâneos, fez sobre iPhones e iPads.

As imagens que chegam a público surgiram nesse mesmo quarto com vista para o nascer do sol. O espaço, conta Hockney, era diariamente decorado com flores frescas.

"Aprender a desenhar é aprender a olhar e aprender a olhar não faz mal a ninguém", ensina, no texto.


David Hockney/iPad drawing
Imagens da exposição "Flores Frescas", que reúne 200 desenhos sem título feitos no decorrer deste ano por David Hockney
Imagens da mostra "Flores Frescas", que reúne 200 desenhos feitos no decorrer deste ano - David Hockney

NOVOS VALORES

Hockney, que já foi chamado de "o pintor mais célebre do mundo", e teve suas imagens da Califórnia transformadas em símbolo do hedonismo da sociedade atual, andava desaparecido do grande circuito. Não expunha em Paris desde 1999.

"Uma das vantagens de estar na periferia do mundo das artes é essa: posso observar melhor", declarou, numa longa entrevista à revista especializada "Artpress".

E ele observou que, se no iPad mudará muita coisa, da imprensa escrita à nossa relação com a tela da TV, não é possível achar que as artes plásticas passarão ao largo do seu impacto.

Seus desenhos, que perderiam todo o sentido se fossem impressos, uma vez que ganham vida apenas com a luminosidade da tela, procuram capturar algo que é específico das novas tecnologias.

Isso fica claro à entrada da exposição parisiense. Um vídeo mostra o pintor em ação. Os gestos, apesar de delicados, são velozes. A cada traço se segue a busca por uma nova cor, na própria tela.

Os desenhos têm um quê de primitivos. A provocação, evidentemente, não está nos traços em si, quase inocentes, mas na sua existência.

Como observa Hockney na "Artpress", a Sotheby's ou as galerias não saberiam o que fazer com esses desenhos que foram enviados, em forma de arquivo digital, a duas dezenas de pessoas.

"Ninguém se perguntou ainda quando isso custa", ponderou o artista que, antes de organizar a mostra, mandou seus desenhos para 20 amigos que têm iPhones.

"Como muita gente, ainda não encontrei uma maneira de receber por isso. Mas como esses desenhos dão muito prazer aos meus amigos, que importância isso tem?", pergunta, lúdico, no texto de apresentação.

Este ano, a fotografia ganhou mais espaço em discussões e publicações

Simonetta Persichetti - O Estado de S.Paulo
29 de dezembro de 2010


Início do conteúdoA imagem como objeto de reflexão

Sem dúvida, 2010 foi um ano especial para a fotografia, arte que no País já é tema central de pelo menos 12 festivais. Isso ocorreu não apenas por causa do crescente número de exposições e livros publicados, mas ainda pela cada vez maior possibilidade de pensar sobre essa atividade. Deixamos um pouco de lado curadorias mirabolantes, nas quais a cenografia de alguma forma encobria produções fracas - se bem que a grande moda deste ano foram as paredes azuis -, que insistiam em se impor nos museus e galerias. Na verdade, foram abertos mais espaços para discussões, além de grande variedade de semanas e simpósios para discorrer sobre o fazer fotográfico.

No âmbito da reflexão, o Paraty em Foco, realizado em setembro na cidade fluminense, se estabelece como fonte de discussão pelo sexto ano consecutivo. Assim como foi importante, em outubro, a segunda edição do Fórum Latino-Americano de Fotografia, no Itaú Cultural. Uma maneira de nos aproximarmos da imagem criada pelos nossos vizinhos de continente. Para ajudar a avaliar a produção contemporânea, em setembro a 4.ª SP-Arte/Foto, além de apresentar 500 fotografias, 170 artistas e 18 galerias, organizou um curso para ajudar a compreender o objeto fotográfico, tema de edição especial da revista Arte!Brasileiros.

Em relação às exposições, o ano começou bem com uma magnífica mostra na Galeria de Arte do Sesi-SP - de 2 de março a 4 de julho - com cerca de 200 registros da inglesa Maureen Bisilliat, cujo acervo pertence hoje ao IMS (Instituto Moreira Salles). Aliás, o IMS foi responsável pelas melhores exposições deste ano, como a do argentino Horacio Coppola e a da alemã/brasileira Hildegard Rosenthal sobre São Paulo e Buenos Aires das décadas de 30 e 40, realizada em março em parceria com o Museu Lasar Segall.

Desde o ano passado, o IMS tem expandido suas fronteiras, trazendo também exposições internacionais como a do fotógrafo russo Aleksandr Rodchenko, atualmente em cartaz no Rio, mas com previsão de vir para a Pinacoteca de São Paulo no início do ano que vem. E por falar em Pinacoteca, a instituição trouxe duas importantes mostras latino-americanas: em setembro a dos Irmãos (Carlos e Miguel) Vargas, A Fotografia de Arequipa, Peru 1912/1930, retratistas peruanos do começo do século 20, e o emocionante trabalho da mexicana Graciela Iturbide. Esta, imperdível, permanece em cartaz até o fim de janeiro. Isso sem falar na presença das imagens na Bienal.

Os livros também foram destaques neste ano. Vários fotógrafos publicaram ensaios e retrospectivas, a Cosac Naify traduziu para o português o diário de Robert Capa, Ligeiramente Fora de Foco, e a Companhia das Letras o excelente Só Garotos, da performer e poeta Patti Smith que narra seus anos de convivência com o fotógrafo Robert Mapplethorpe. Um ano em que, talvez, se mostrou menos, mas, sem dúvida, pensou-se mais.