terça-feira, janeiro 11, 2011

Zangões em Fúria :: Por Adriano de Aquino

Por: Adriano de Aquino
Hiperblog, 11.1.11

Sabe aquela revolução sonhada? Aquele desejo íntimo de virar o mundo de pernas pro ar? Aquela fúria contida de gritar pra toda gente sua visão de mundo como uma nova percepção, fundada numa metódica instalação do caos, que você tão bem sabe organizar. E aquela "idéia genial" que você teve na adolescência? Vai abandoná-la? Não faça isso! Reelabore a inspiração que tanto te mobilizou. Reveja os inúmeros recortes de antropologia cultural que te entusiasmaram na universidade e que resultou em muitos estudos para obras que um dia sonhou realizar.

O que você está esperando?
A hora é essa! Libere-se!Vai fundo!
As instituições públicas e privadas de arte e cultura evoluíram muito. Hoje, tudo é aceito e nada mais obstrui as ações estéticas de ponta. Nunca na historia da cultura, tirante, é claro, períodos totalitários, a arte, as instituições oficiais, a economia e o mercado resultaram em almagama tão consistente. Portanto, meu caro, não se faça de vitima da prosperidade. Ninguém escutará suas lamúrias! Mexa-se, corra atrás, procure amanhã mesmo um bom produtor, um divulgador, um agente de marketing. Sistematize seu projeto, se associe a um curador, invista nos contatos com os negociantes de arte, faça tudo que for possível, não importa o que, mas, faça alguma coisa.
Lembre-se: aprimore sua atuação na política acadêmica, produza teses, some títulos vetustos, inclua na apresentação de sua obra, citações fundamentais da arte. Cite, cite muitos nomes da vanguarda histórica, da escola de Frankfurt, de filósofos incompreendidos, mas, muito estimados, dos mitos e signos da rebeldia estética do modernismo, do pós modernismo e tudo mais que te pareça revolucionário, inquieto e transformador.
Se toque, tudo está ao alcance da mão. Ou melhor, ao alcance da oficialidade cultural, da consciência mediana e, claro, da economia.
A escalada das vanguardas contemporâneas ao topo do sistema de arte é um fato incontestável. Se inteire e participe desse avanço!
A predominância de grupos de artistas contemporâneos nas agendas curatoriais e institucionais é um marco da enternecedora conivência entre arte e sociedade. Essa maravilhosa circunstância decretou o fim dos confrontos entre liberdade criativa e preceitos coercivos de intermediação social. Não cace pêlo em ovo! Nem se abata com críticas rigorosas e bem fundamentadas contra sua obra, as despreze, pois, são apenas reações rancorosas dos conservadores.
Abandone qualquer intenção de buscar significado e beleza, esses quesitos são irrelevantes para um trabalho que objetiva expor com clareza, sem hipocrisia, a carne crua, as fezes e os berros da fauna oprimida e as entranhas da verdade e da vida.
Aproveite! O caminho está aberto, só te resta explorá-lo.
Observe atentamente os movimentos sociais de ponta, fundados nas premissas do multiculturalismo, da diversidade, da pluralidade, da multiplicidade, da heterogeneidade e variedade, na comunhão dos contrários, na intersecção de diferenças ou ainda, na tolerância mútua. Se as premissas supracitadas não podem ser aferidas na sua totalidade porque, de fato, não se concretizam horizontalmente no ambiente social como um todo, na arte, de um tempo para cá, se tornaram ocorrências sistemáticas.
Acorde, olhe em torno, veja o que seus colegas estão produzindo, siga o fluxo, elabore uma tática, copie e cole os fundamentos teóricos das lutas sociais de ponta e introjete, no fundo da sua alma, as teorias estéticas em voga. Salpique, aqui e ali, retalhos de antropologia cultural e fragmentos autobiográficos. Trace com precisão sua estratégia, arme sua rede de relacionamentos, porém, nunca se esqueça de demonstrar uma atitude contestadora. Sempre que tiver oportunidade critique com dureza todo sistema social, de dicas sobre os temas na pauta da grande imprensa, não faça silêncio, manifeste sempre uma opinião quando solicitado, seja sobre os avanços da física quântica ou educação fundamental. Aproveite qualquer oportunidade para afirmar, peremptoriamente, que sem educação o povo não terá acesso a uma cultura artística transformadora, aliás, a cultura alguma, nem mesmo a que ele próprio produz,vibra e se encanta.
A fúria, meu caro, desconhece limites!