quinta-feira, dezembro 23, 2010

Damien Hirst: “A arte não devia ter medo do dinheiro”

Euronews - Ricardo Figueira entrevista Demian Hirst - 23.12.2010
Photograph: Reuters

É considerado o artista plástico vivo mais rico do mundo. Extravagante e provocador, amado e, ao mesmo tempo, detestado, ninguém no mundo das artes fica indiferente a Damien Hirst. Mas talvez mais do que a arte, é a riqueza do mais proeminente membro do grupo dos Jovens Artistas Britânicos que o põe na boca do mundo. A euronews falou com Damien Hirst, em Kiev, na Ucrânia, onde foi um dos mentores do recém-criado Prémio de Arte “Geração Futura” da Fundação Pinchuk.


Ricardo Figueira – euronews:

Damien Hirst bem-vindo e obrigado por estar aqui connosco hoje! A minha primeira questão é muito directa. Gostava de lhe perguntar se o dinheiro e o sucesso mudam a alma de um artista?

Damien Hirst – artista plástico:

Acho que não. É muito mais difícil fazer boa arte quando, de repente, se tem dinheiro. O facto de não termos dinheiro força-nos a fazer as coisas de uma forma criativa, como o Van Gogh. Mas eu acho que a arte não devia ter medo do dinheiro. Tenho sorte porque desde muito cedo o meu agente disse-me que não devia servir-me da arte para ganhar dinheiro. Não nos esqueçamos que o dinheiro é fundamental, mas não é o objectivo.

Ricardo Figueira – euronews:

E como é que se serve do dinheiro para fazer arte?

Damien Hirst – artista plástico:

Sabe, as ideias vêm primeiro e o dinheiro é apenas algo que usamos para que as coisas aconteçam. Não utilizamos a arte para fazer dinheiro, utilizamos o dinheiro para fazer arte.

Ricardo Figueira – euronews:

O seu trabalho mais famoso é “For the love of God” (“Por amor de Deus”), que é uma caveira, um crânio humano verdadeiro cravejado de diamantes…

Damien Hirst – artista plástico:

Arte povera.

Ricardo Figueira – euronews:

Arte rica, neste caso. É verdade que a vendeu por 50 milhões de libras?

Damien Hirst – artista plástico:

Na altura em que a vendemos, a pessoa que a queria comprar não a comprou e acabámos por vender… eu vendi um terço a um consórcio.

Ricardo Figueira – euronews:

Porque tem havido alguma polémica. Há quem diga que não é verdade, que não foi vendida, que você faz parte do consórcio.

Damien Hirst – artista plástico:

Bem, eu não vendi tudo. A minha galeria White Cube detém 10%. Depois o consórcio comprou um terço e eu fiquei com o resto. Por isso vendi um terço.

Ricardo Figueira – euronews:

Então confirma que foi o trabalho mais caro alguma vez vendido por um artista vivo?

Damien Hirst – artista plástico:

Não sei.

Ricardo Figueira – euronews:

Foi o que li.

Damien Hirst – artista plástico:

A sério? Não faço a mínima ideia. Está lá em cima (aponta para o céu)!

Ricardo Figueira – euronews:

E porquê o nome “Por amor de Deus”? É uma pessoa religiosa?

Damien Hirst – artista plástico:

Em Inglaterra, “por amor de Deus” tem dois significados. Significa que fazemos algo pelo amor que temos por Deus, mas é também uma exclamação “por amor de Deus!”, se fazemos algo errado. A sua mãe diria isso. Se partisse um prato, a sua mãe diria “por amor de Deus, porque é que fizeste isso?” Por isso é icónico e irónico. Tem os dois significados.

Ricardo Figueira – euronews:

A morte é um tema recorrente no seu trabalho. Tem medo de morrer, ou é apenas uma fascinação?

Damien Hirst – artista plástico:

Estou desejoso de lá chegar!

Ricardo Figueira – euronews:

A sério?

Damien Hirst – artista plástico:

Não! Acho que todos estamos, sabe. Samuel Beckett disse uma vez algo incrível sobre a morte quando disse “a morte não nos pede um dia livre”. Adoro esta frase. É o desconhecido. Nunca podemos planear ou fazer algo, porque nunca se sabe. Eu fui ensinado, especialmente quando era mais jovem, a enfrentar as coisas que não podemos evitar. E acho que a morte é uma das coisas que não podemos evitar. Em vez de não falar sobre isso, acho que temos que lhe fazer face. Porque tem que ser normal, de uma certa forma. Mas eu sei que ninguém gosta dela.

Ricardo Figueira – euronews:

Em que é que se tornou o mercado das artes nos últimos anos?

Damien Hirst – artista plástico:

Bem, como todos os mercados… os mercados mudam. Acho que agora é mais saudável. Como já disse, enquanto artista, se alguém comprar tudo o que fazemos e depois o vende, não o mantém parado. Compra e vende, compra e vende. Ganha muito dinheiro e pode começar a fazer-se passar por algo que não é. Hoje em dia, acho que é mais saudável. Enquanto artista não queremos uma arte que esteja sempre em movimento. O ideal é que alguém compre, ponha a peça de arte numa parede e a deixe lá ficar. Eu conheço muitas pessoas… Ninguém conseguia manter os seus quadros nesse mercado, nessa loucura. As pessoas compravam quadros para os vender. Qualquer pessoa podia ser um vendedor de arte. Quando pinto um quadro com pontos quero que as pessoas olhem para os pontos, mas muitas vêem cifrões. Isso não é arte. Mas, é óptimo que a arte possa sobreviver em qualquer mercado. E isso é o mais importante.

Ricardo Figueira – euronews:

Está aqui em Kiev, na Ucrânia, para a atribuição do Prémio de Arte “Geração Futura”. Estamos a fazer esta entrevista junto às obras de um dos concorrentes. É importante para si participar neste tipo de iniciativa?

Damien Hirst – artista plástico:

Todos começam enquanto jovens artistas.

Por isso acho que é óptimo. Temos que incentivar. O que o Victor Pinchuk está a fazer é fantástico. Está a encorajar artistas do mundo inteiro, a ajudar a promovê-los. Quando o Viktor me pediu para fazer parte do grupo de artistas associados ao prémio, eu disse que sim se o prémio fosse uma soma avultada e acho que é (N.D.R: 100 mil dólares). Quando estava em Londres ganhei o Turner Prize, que era de 20 mil libras. Era muito dinheiro naquela altura. Isso ajuda imenso. Acho que todo o tipo de ajuda para artistas é bom porque, sabe, há muitos mais artistas pobres e a passar fome do que artistas ricos.

Ricardo Figueira – euronews:

Está aqui juntamente com outros grandes artistas, como Jeff Koons. É verdade que há uma certa rivalidade entre você e o Jeff Koons ou é algo inventado pela imprensa?

Damien Hirst – artista plástico:

Não, nem por isso. Eu compro obras do Jeff. Sou um grande coleccionador e adoro o trabalho do Jeff.

Ricardo Figueira – euronews:

E ele compra os seus?

Damien Hirst – artista plástico:

Não creio. Acho que ele compra arte mais antiga. Ele é um pouco mais velho do que eu, de qualquer das formas. Quando eu era um jovem artista fui à galeria Saatchi e vi uma exposição do Jeff. Eu era estudante e o Jeff já era um grande artista na altura. Ele era o meu herói. Eu não sou o herói do Jeff.

Ricardo Figueira – euronews:

O que é que pensa fazer nos próximos anos?

Damien Hirst – artista plástico:

Bem, com o leilão, deixei uma grande parte do meu trabalho. Deixei as borboletas e todo o tipo de trabalhos com formol. Estou a fazer coisas novas. Limpei o estúdio e estou a divertir-me imenso, como se tivesse voltado ao princípio.

Ricardo Figueira – euronews:

Vai continuar com as caveiras?

Damien Hirst – artista plástico:

Sempre gostei de caveiras. Quando a minha namorada me disse “não podes continuar com as caveiras porque estão muito na moda” fiquei com muita vontade de o fazer. Foi por isso que fiz a caveira com os diamantes. Porque acho que uma caveira nunca poderá estar demasiado na moda. Como no México. Tenho uma casa no México e eles adoram caveiras. É algo repetidamente interminável. E eu gosto de continuar a fazê-lo até estar na moda outra vez e depois fora de moda, e na moda outra vez, por isso não sei.

Ricardo Figueira – euronews:

Damien Hirst muito obrigado! Foi um prazer tê-lo aqui. Bom Natal!

Damien Hirst – artista plástico:

Bom Natal!

Copyright © 2010 euronews

Morreu, aos 96 anos, o pintor paulistano Hércules Barsotti

Por Antonio Gonçalves Filho - O Estado de S.Paulo - 23.12.2010

Morreu na madrugada de ontem, aos 96 anos, o pintor paulistano Hércules Barsotti, um dos principais nomes do construtivismo brasileiro. Barsotti, que há tempos enfrentava problemas de senilidade, segundo a sobrinha Renata, foi enterrado às 15 horas no Cemitério São Paulo. Ele integrou o histórico grupo neoconcreto formado pelo poeta e crítico carioca Ferreira Gullar em 1959, sendo convidado no ano seguinte pelo escultor suíço Max Bill a participar da mostra Konkrete Kunst (Arte Concreta), em Zurique. Amigos da comunidade artística que acompanharam o velório lembraram seu papel como renovador da linguagem pictórica e gráfica ao fundar, em 1954, o Estúdio de Projetos Gráficos com o escultor Willys de Castro, seu companheiro por mais de 50 anos, morto em 1988.

Foto Divulgação - Ele se manteve sempre fiel ao grupo desde sua adesão em 1959

A galerista Raquel Arnaud, amiga de ambos desde que trabalhava no Masp, nos anos 1960, fez várias exposições dos dois artistas. Barsotti mostrou pela última vez suas pinturas no Gabinete de Arte em 1998, seis anos antes da retrospectiva do artista no Museu de Arte Moderna de São Paulo. "Crescemos juntos profissionalmente, pois tínhamos um convívio diário até sua última exposição na galeria, onde Willys de Castro foi velado", lembra.

O pintor Tuneu, que conviveu com Barsotti e Willys, sendo assistente dos dois, destacou a inteligência cromática do pintor e sua filiação à tradição colorista do alemão Josef Albers (1888-1976). Na época em que foi convidado por Gullar para integrar o movimento neoconcreto, no entanto, o pintor fazia uma pintura de superfície com faixas em diagonal e em preto e branco. Foi só em 1963 que o pintor começou a explorar novas possibilidades cromáticas, sempre fiel à figura do losango, sua marca registrada.

Discreto, Barsotti manteve-se sintonizado com os mandamentos da arte concreta a vida toda, alheio aos movimentos pictóricos surgidos depois, como a arte pop e o neoexpressionismo, embora tenha começado sua carreira nos anos 1940 como um pintor figurativo, adotando a abstração geométrica apenas em 1950. Aluno do pintor italiano Enrico Vio (1874-1960) nos anos 1920, sua formação como artista acadêmico seria importante especialmente na disciplina do desenho e da composição. Na época em que a indústria têxtil começou a incentivar a moda brasileira, nos anos 1960, ele trabalhou como design gráfico e no desenho de estamparia para a Rhodia.

Barsotti há algum tempo andava retirado do circuito de galerias e museus. Na retrospectiva do MAM/SP realizada em 2004, foram exibidas 90 obras do artista, entre elas as de seu melhor período, compreendido entre 1959 e 1963. O artista participou das bienais de 1957, 1958, 1961 e 1965 e foi homenageado com salas especiais em 1987, 1989 e 1998.

Ao apagar das luzes, fui ver a Bienal - Por Arnaldo Jabor

Por ARNALDO JABOR

Ao apagar das luzes, fui ver a Bienal. Quase não escrevo sobre ela, mas não aguentei, apesar de não ser crítico de arte. A sensação dominante que tive foi de ruínas ou de despejos da civilização. Saí triste. Os trabalhos repetem os mesmos códigos e repertórios: terra arrasada, materiais brutos e sujos, desarmonia, assimetria, uma vergonha de ser “arte”, vergonha de provocar sentimentos de prazer. A fruição poética é impedida, como se o prazer fosse uma coisa reacionária, “alienada”, ignorando o “mal do mundo”, que tem de ser esfregado na cara do espectador para que ele não esqueça o horror que nos assola.

Há um propósito de evitar qualquer transcendência artística. Um crítico escreveu: “O paradigma romântico foi desmantelado no século 20, porque apresenta a arte como algo universal, acima da realidade social e política.” Ou seja, a razão maior da arte, que é justamente esse mistério que aponta para “as coisas vagas” (como escreveu Paul Valéry) sem as quais não há reflexão poética ou filosófica, foi jogada fora, em nome de uma racionalização criada para substituir nossa impotência política real.

Fui andando pelo pavilhão maravilhoso do Niemeyer, pensando que o edifício “modernista” era superior a qualquer panfletinho ali exposto. Pensei que o império da sordidez mercantil, a ignorância no poder, o fanatismo do terror, a boçalidade cultural, toda a tempestade de bosta que nos ronda está muito além do alcance crítico de qualquer “denúncia” artística. Não adianta mais “chocar” ou “conscientizar” ninguém. Nada que haja na Bienal nos choca mais que homens-bomba explodindo discotecas ou a fome na África ou a lama das favelas e periferias. Nada. Os gestos enraivecidos da antiarte nem arranham a pele do mundo. Nesta Bienal vi um parque temático de deprimidos, um muro de lamentações inúteis – a melancolia como “denúncia” de uma vida sem solução, quando a grande crítica ao Ocidente é feita pelos terroristas islâmicos. A infeliz sentença de Stockhausen chamando o 11 de Setembro de “obra de arte” tem, sim, um bruto fundo de verdade. Nada pode explicar ou evitar aquele horror. Nunca imaginávamos que o século 21 seria parecido com o século 7.º, quando Maomé se declarou o único profeta.

Intelectuais e artistas vivem em pânico, pois o tempo de sínteses se extinguiu. Os acontecimentos estão incompreensíveis e, no entanto, óbvios demais. Claro que os artistas contemporâneos não podem ignorar o horror do mundo e têm de acusar o golpe. Sim, mas mesmo em tempos terríveis, há que se buscar alguma transcendência, esperança e vitalidade.
Tropeçando em perigosas “instalações”, pensei que a morte da “aura” da arte é menos aceita do que pensávamos. Hoje, muitos artistas se veem como ex-profetas abandonados e passaram a usar a luz da “aura” como um halo, como uma coroa de espinhos para sua solidão. O artista quer virar obra de arte. E tudo faz para esquecer seu abandono, mesmo que seja expor seus excrementos numa latinha. E vemos que ele não abriu mão da representação, mas cultiva-a ao avesso da beleza, como uma doença favorita. Ele é a representação, ele é a paisagem.
Acho que nesta desistência da arte transcendental há um complexo de inferioridade diante da tecnociência, que está avassalando nossas vidas. Nietzsche não concordaria: “A arte é mais poderosa que a Ciência, pois ela quer a vida, enquanto o objetivo final do conhecimento é o aniquilamento.” Nietzsche escreveu isso no fim do século passado, querendo dizer que, por trás da busca científica e racional da verdade, mora o desejo da morte, de esgotamento da vida, por uma letal explicação de tudo.

Claro que não tenho nível para aprofundar este tema; mas temos hoje esta metástase digital hipertecnológica ao lado de um indigente, tuberculoso, desempenho artístico do mundo. Temos de um lado o mercantilismo escroto de Hollywood, dos teatrões, das galerias chiques ou dos best-sellers. Do outro, a solidão melancólica das Documentas, os bodões negros dos guetos da revolta “oficial”. Sem dúvida, a grandeza da arte contemporânea é de se misturar à vida, sem suporte, mas sem negá-la de fora, atacando-a com rancor por sua falta de sentido claro. Nisso, o WikiLeaks mata a pau.

Movidos pela ideia socrática de que a arte tem de ser subordinada à Razão, os artistas caíram numa denúncia melancólica das impossibilidades. Não há futuro para esta ideia de arte, seja ela digital, mercantil, iluminista ou o cacete a quatro. A celebração dionisíaca do existir não pode ser considerada frescura ou alienação. Prevaleceu a vertente “triste” do modernismo, a vertente “conceitual” que joga sobre o “mal do mundo” apenas uma ideologia nevoenta de condenações sem nome, apenas uma arte enojada contra o mal-estar da civilização.

Por que a melancolia seria mais profunda que a alegria? Como explicar Fred Astaire, Busby Berkeley, Cantando na Chuva, a arte pop, o jazz? Depois do pop, será que uma “aids conceitual” não atacou tudo, depauperando a luta? Será que não se esgotou a denúncia do feio pelo “mais feio”, que odeia a vida real, por adesão a um impossível finalismo? O “novo” não poderia ser um “belo” que denuncia, com sua luz, a injusta vida?

Precisamos de arte, como uvas e frutos e danças e como um coro de Silenos, de Dionísios, pois a ciência e a razão estão querendo chegar até os ossos da “essência”. A arte é a ilusão aceita, a clareza feliz de que a aparência é o lugar do humano e que só nos resta essa hipótese de felicidade num planeta gelado. Não a arte-espetáculo, mercadoria de ver, mas a arte como ritual de embelezamento da vida. Nietzsche: “A ilusão é a essência em que o homem se criou.”
Lembrei-me então de uma frase de Stravinski: “A obra de arte deve ser exaltante.” E uma de Artaud: “A arte não é a imitação da vida; a vida é que é a imitação de “algo” transcendental com que a arte nos põe em contato.” Por isso, não gostei da Bienal.