quinta-feira, dezembro 30, 2010

A convergência dos extremos – Crendice & Cepticismo - Por Adriano de Aquino

Adriano de Aquino - Reflexões sobre arte e cultura

Escritas na forma de diálogo entre personagens virtuais que transitam entre a dor de consciência, as maldades, exitos e contradições existenciais de um criador de arte frente as benesses no reino da economia suprema e do mercado gestor, estas reflexões sobre arte e cultura, de Adriano de Aquino, abrem questoes de forma inteligente e pouco convencional.


A convergência dos extremos – Crendice & Cepticismo


_Ah! Quer dizer que pra você a demanda do mercado por suas obras, ou melhor; sua inserção econômica no mundo das artes é um tormento? Ora! Não me venha com essa! Não creio que alguém possa ser tão indiferente ao reconhecimento financeiro.

_Engana-se, minha amiga. Não sou um alienado, indiferente as necessidades materiais e financeiras. O que eu disse é que não há nada de espontâneo ou propriamente verdadeiro no mundo dos negócios. Não creio que exista realização nessa troca para além, é claro, da recompensa material, evidentemente. Crer que o reconhecimento financeiro de um artista é parâmetro de aferição para além do negocio é um tremendo equívoco. Esse é um campo minado que há muito tempo suscita mais dúvidas que certezas. Todos nós somos de alguma forma, afetados pela intermediação do dinheiro para continuar vivos. Essa é uma constatação tão sólida quanto a certeza da morte. O ganho financeiro é um meio de se sustentar como individuo e uma ferramenta de fomento para a experiência corpórea e existencial em qualquer atividade humana. Além disso, o cerne da minha critica não incide sobre esse campo específico. As contradições entre o poder da grana e a liberdade criativa é um capítulo complicado da história humana. Não tenho nenhuma pretensão de estender esse assunto, tendo em vista sua complexa interação que se arrasta pelo longo percurso da humanidade. Se por um momento isso apareceu na nossa conversa foi de maneira fortuita. Foi apenas uma citação peremptória de certa impotência diante dos pactos que nos parecem inexoráveis.
Nas circunstancias atuais, em que a economia é o mais elevado item da vida social, fazer uma critica ao dinheiro sem aprofundar nos mecanismos da produção, difusão e consumo, por mais inteligente que seja, soa como falação inútil.

_Ok!Ta bem!Então retorna para sua argumentação anterior.

_ O que me parece relevante no jogo entre finanças e arte é a ridícula simulação de decoro que se apoderou da mentalidade corrente em nossos dias. A complexidade da produção da atualidade não foi compartilhada por avanços nos mecanismos de intermediação compatíveis com os novos tempos.
O que assistimos aqui e acolá são arremedos grotescos da velha hierarquia mercantil e uma crescente estupidez, convertida em paternalismo estatal. Tal descompasso pode ser percebido, inclusive, nas atitudes de muitos artistas. O ambiente artístico está impregnado de simulacros e afetações típicas da remota aristocracia. É espantoso que na contemporaneidade os rituais arcaicos ainda sejam tão influentes. Por força das circunstâncias houve apenas algumas modificações. As mais visíveis são a substituição dos critérios e das analises mais apuradas das obras de arte por operações promocionais e mercantis, mais objetivas e pragmáticas.Algo similar aos procedimentos e estratégias do marketing politico e dos produtos da indústria cultural. Repare nas fórmulas hoje disponíveis de difusão da arte. Elas dizem muito sobre o sistema. A visibilidade, um dos fundamentos da publicidade, tornou-se o preceito básico que faz girar o mundo da arte. Os métodos promocionais são mais eficazes quanto mais a mensagem se repita. Essa regra é capital para vender mais uma marca de sabão em pó do que a do concorrente na prateleira ao lado. Ainda que uma mente ardilosa imagine ser uma grosseria usar a mesma técnica para alavancar as vendas de um produto cultural, dado que um consumidor de cultura possui, supostamente, mecanismos de defesa mais refinados que o consumidor em geral, o fato é que essa técnica prevalece para tudo. Ocorre, entretanto, que um objeto cultural não é apenas uma caixa de sabão em pó. Não obstante, em circunstancias especiais, uma caixa de sabão em pó pode vir a ser uma obra de arte. Para que tal fenômeno se realize é necessário, antes de tudo, que o objeto se pareça com arte, quer dizer, possua um dom particular, um espírito, digamos assim. A linha de produção industrial empilha no chão das fábricas colunas e mais colunas de objetos que não portam atributos descriminados num glossário das artes. Eles são,em suma,objetos para finalidades especificas.
Mas,esses mesmos objetos, recondicionados pelo circuito da arte, ganham outros sentidos. Assim, um bife pendurado na geladeira de um açougue é, em tudo e por tudo, diferente de um bife metafórico, artístico, exposto numa instituição de arte. Quando Duchamp realizou seu gesto germinal o mundo se surpreendeu. Hoje, ninguém mais se espanta. Não ha um grande evento de arte em que esse tipo de produção não esteja incluída. Além disso,várias instituições de ensino de arte espalhadas pelo mundo e inúmeras cartilhas dedicam capítulos sobre essa "escola" ou tendência da arte. Se por um lado isso parece positivo para que mais pessoas se expressem "artisticamente", por outro, constitui um complicador que,entre outras coisas, propicia ações difusas no que tange a autonomia criativa.São tantas e tão afinadas entre si que não cabe aqui,nesse momento,discuti-las. Porém,posso adiantar, que o novo perfil das instituições e do mercado se ajustaram muito bem ao modelo. Afinal, o bacana da banalidade é a possibilidade de imersão total no banal por todos os segmentos do sistema. Alguns teóricos consideram esse efeito o paradigma de uma revolução estética permanente.

_Ah,ah,ah! De fato, o êxtase com o banal é uma unanimidade global.

_Até aí tudo bem.Contanto que esse paradigma não obstrua o mercado nem paralise a cadeia produtiva,quer dizer;os artistas e os demais segmentos do mercado. Para reforçar seu status frente aos novos desafios os agentes culturais se puseram a pensar,pensar,pensar até chegarem a um método colaborativo bastante eficaz. Isolaram alguns produtos estéticos da montanha de similares e investiram na visibilidade midiatica. A midia é uma vitrine cara, todavia,muito eficiente para imprimir no público a sensação de que existe uma escala de valores nas artes dos nossos dias. Nesse contexto, a visibilidade midiatica funciona como a agulha de uma bússola que orienta um navegante pouco entrosado nas muitas rotas da cultura contemporânea.Num mundo, sacudido por constantes e velozes transformações, onde a instabilidade é uma sensação constante, o individuo mal tem tempo de selecionar, dentre os milhares de informações vazadas todos os dias, aquelas que lhe serão mais úteis. Então, como demandar dessa pessoa uma leitura crítica e equilibrada sobre as diferentes propostas estéticas do último grande evento de arte global? Leve-se em conta que os jornais e revistas contribuem para embaralhar ainda mais o assunto. Anunciam como polêmicos fatos corriqueiros e expedientes promocionais de um artista, focando o leitor nas labaredas da fogueira das vaidades e nas ambições cretinas, típicas das revistas de promoção de egos, hoje tão em voga. Como se isso não bastasse, os periódicos enchem páginas de entrevistas com curadores que se arrogam a emitir diagnósticos sobre a contemporaneidade.
É esse conjunto de fatores-não a produção artística em si - que mais excita o circuito. Como reverter esse bochicho em promoção e tornar o negócio mais atraente e lucrativo? Eis a questão do sistema da arte atual.
Marcar os espaços e pacificar o ambiente tornou-se uma meta dos negociantes mais argutos. A solução mais evidente foi eleger dois ou três nomes da safra de artistas e divulgá-los sistematicamente. Entretanto, com essa tática, o jogo se revelou de um simplismo assustador, pois, os demais artistas tornam-se apenas coadjuvantes. Servem para calçar o sistema frente os imprevistos de percurso.
Bem, essa tem sido a forma de atuação dos players do sistema de arte atual. Até certo ponto vem surtindo um efeito pacificador. O ambiente cultural mostra sinais de contentamento e a vanguarda contemporânea tem vibrado de alegria.
O modelo é permissivo,introjeta imediatamente a contestação a redirecionando para o circuito. Nenhuma experiência anterior de vanguarda foi tão generosamente acolhida pelo sistema como a que agora presenciamos. Abrigados sob a égide de uma poética do cotidiano alguns artistas parecem contentes com os resultados alcançados.
Cabe, portanto, aos agenciadores de marketing, curadores e marchands dar seqüência ao processo realçando o valor à partir da diferença. Numa vitrine em que tudo é muito igual fica difícil defini-la de imediato. Alías, esse é um recurso atraente que encontra similaridades com os atributos celestiais que separam os eleitos daqueles que estão sujeitos aos sacrifícios mercantis ou promocionais dos simples mortais. Como quase ninguém tem saco para esse assunto, poucos se dão conta dos interesses em jogo nessas operações. Para muitos a palavra talento resume o fenômeno, é o suficiente para convencer alguém de que um tal personagem é um prodígio, um mago. Todavia,para o negócio isso não é o bastante. Para reforçar o aparato e agilizar a vinda de lucros mais rápidos, um conjunto de experts tem que entrar na roda.Para tocar essa ponta do negócio existem os curadores.
Oriundos das universidades,academias e centros de arte mundo afora e revestidos da autoridade de um general, peito coberto de comendas, esses experts surgem de toda parte para dirimir dúvidas e consolidar o óbvio:Credenciar nomes. Ontem um curador dos Alpes suíços, hoje uma curadora de uma bienal germânica, amanhã, outro personagem da alta cultura de um país desenvolvido em visita ao país, qual reis magos, anunciam numa entrevista que, para eles, existe, dentre o enorme contingente de artistas locais ávidos por espaço, apenas quatro expoentes da arte contemporânea brasileira.
Coincidentemente, os nomes citados são sempre os mesmos e o roteiro o velho pastiche de sempre: ..."a arte brasileira contemporânea esta bombando nos grandes centros do mundo desenvolvido, bla, bla, bla"

_É mesmo!Que troço colonizado! Antes esses procedimentos eram um tanto comedidos, tratados com um pouco mais de sobriedade. Hoje é escachado. Os curadores trocam figurinhas abertamente, não vê quem não quer se aborrecer, se desgastar. A dimensão continental e a multiplicidade da produção estética local se reduziram a um joguinho entre colegas. Além do mais, a perversa escassez de recursos, a precária infra-estrutura institucional e um mercado incipiente imobilizam os artistas que não tem fluência no sistema. A mídia contribui divulgando apenas o que considera consagrado. No caso a opinião de curadores ou as altas cifras em jogo no mercado da arte.

_Os curadores, ao enaltecerem seus procedimentos, não deixando claro suas participações nas estratégias de negociação da arte, tornam mais densa a cortina de fumaça que confunde ainda mais as pessoas as levando a focar preferencialmente o fenômeno financeiro.
Oh! Estupendo! Dizem alguns. Argh!Especulação, dizem outros. E, fica por aí! Nos dois casos, as únicas referências "visíveis" são a fama do artista e o preço. Sobre a obra de arte propriamente dita, nada se comenta. O campo das artes tornou-se uma espécie de território interdito. Hoje, se contrapor ou criticar obras contemporâneas tornou-se uma atitude indesejável, proibida mesmo. Nessas circunstancias, o fato dos valores atingirem a estratosfera tornando-se uma abstração e as referências se constituírem em vagas citações de intermediários do negocio é um contra-senso repreender as pessoas que voltam sua atenção às transações financeiras como quem vislumbra um enigma mais inquietante no mercado que na própria arte. É licito desprezar alguém por ter visto o que é óbvio?
Acrescente-se a isso uma ocorrência singular. De um tempo para cá diluíram-se as fronteiras que diferenciam um trabalho de escola vanguardista de uma obra tradicional, digamos assim.Tornaram-se apenas métodos distintos.Os dois procedimentos encontram abrigo tanto nas instituições quanto no mercado. O que isso significa? Que o mercado e as instituições oficiais tornaram-se mais sábias e tolerantes ou, a arte dos nossos dias tornou-se a tal ponto previsível que se ajusta rapidamente às demandas do público por novidades? Só uma fidelidade extrema nos levaria a crer que as vanguardas da atualidade possuem o poder de impactar a sociedade.Marcar a diferença!Ora!Pra que? Se esse é o ponto que amalgama a produção de vanguarda ao que há de mais reacionário na sociedade de consumo, pra que inventar uma fábula infantil? As silenciosas disputas pela ocupação dos espaços prestigiosos como as bienais internacionais, por exemplo, são apenas pretextos para ocultar estratégias midiáticas e mercantis. Essas instituições há muito deixaram de ser locais onde transitam experiências estéticas inusitadas. Se tornarem vitrines mega promocionais de modelos estéticos dominantes. Nessa conjuntura o dinheiro foi mais poderoso e eficaz na absorção das diferenças do que o tempo, a reflexão critica e a discussão sobre a arte. É isso! O dinheiro produz efeitos ambíguos e curiosos, pois, ainda que transfira importância para um produto, não obstrui a divergência de opiniões sobre a forma de aferição e credenciamento. Você pode falar o que quiser do dinheiro despejado sobre um evento ou mesmo do preço de compra de uma obra de arte, porém, não ouse criticar uma obra ou um tipo de produção estética da escola vanguardista, isso não!Isso é proibido. Se não é decoro e protecionismo, que titulo daríamos as reações intempestivas dos adeptos desse procedimento?
Essa constatação me enche de perguntas que não encontram respostas nas atitudes correntes no atual sistema da arte.
Por que os artistas das escolas vanguardistas evitam discutir os interesses em jogo no setor cultural e fecham-se em colóquios "especializados" onde só participam os grupos detentores de códigos comuns? Estariam eles participando de uma junta de planejamento estratégico ultra-secreto? Se ajoelhar diante dos produtos estéticos contemporâneos é uma expressão sincera e admirável de reconhecimento? Esse troço me parece mais um hábito religioso. Uma obediência servil a uma seita secreta que pretende divulgar mais uma verdade num mundo exaurido de verdades.
Algumas pessoas crêem que se opor ao poder do dinheiro na arte é uma ingenuidade. Os mais afoitos afirmam que o antagonismo ao sistema é uma batalha travada por um exército de imbecis, dado que a interação arte/poder (leia-se:dinheirto) se funda num pacto secular. Acreditam, certamente, que até a argamassa que juntou as pedras da muralha do saber e da arte, sabem que as coisas sempre foram assim e nunca serão diferentes. Oh!Deus, diante dessa sentença a sensação de inércia se apodera dos meus sentidos. Enaltecer uma obra de arte a partir do preço é um expediente tão insípido quanto um ataque de euforia verbal para anunciar um gosto pessoal. Contudo, até a histeria das torcidas apaixonadas tornou-se uma espécie de trincheira da contemporaneidade. Quantas vezes já não ouvimos: Oh! Amei tal instalação, caí de joelhos diante da obra do fulano. Exaltações verbais desse teor tornaram-se tão corriqueiras entre os freqüentadores do circuito de arte quanto uma cervejinha gelada no verão escaldante. Cair de joelhos diante de um trabalho da vanguarda contemporânea é algo inconcebível para um ente que se beneficiou dos avanços da modernidade, contudo, tal manifestação tornou-se comum. A síndrome do Best Seller debilita suas vitimas as colocando imóveis ao alcance da mira do marketing das estrelas!
O que mais choca nessa crendice absurda é a fragilidade crítica de indivíduos supostamente cultos. Parece coisa de maluco! Como um sujeito informado ainda se submete aos códigos dominantes sem sequer se perguntar por quê?
Ao expor de forma tão intensa seus sentimentos diante da arte, esses indivíduos realizam duas operações num só ato. Na primeira obstruem a potencia do sujeito frente aos códigos dominantes e, na segunda, anulam qualquer perspectiva de opinião contraria, pois, a fé é um domínio exclusivo do sujeito. Como se contrapor a fé? Com uma guerra santa? Uma revolução cultural?
Essa situação revela o enorme poder dos meios sobre a produção artística. O poder do dinheiro exacerba a desconfiança, inclusive, na própria escolha pessoal. O feitiço se cumpre na pratica com o retorno de um tipo de respeito imposto. Algo parecido com uma crença tirânica da antiguidade. Mas, no teatro das ocorrências culturais, é recomendável que os artistas pareçam livres, contestadores e independentes do sistema. Ocorre que incontáveis atividades profissionais do campo da cultura sofreram, nos últimos trinta anos, mudanças consideráveis. Algumas, como a critica de arte, por exemplo, estão em vias de desaparecer. Outras,como os agenciadores de marketing e os curadores subiram aos céus. Vimos surgir recentemente um tipo de celebridade que chamo de ansioso blasé.

_Han? Ansioso blasé? Como assim?

_Explico! No teatro das artes cada um representa um personagem bem definido. Nada mais eficiente para uma performance mistificadora que um artista cético com poderes supremos para converter fiéis em causa própria. Esse procedimento exige um desempenho considerável onde a ansiedade e os arranjos mundanos da escalada ao topo devem ser elegantemente camuflados por uma atitude aparentemente blasé.
Ninguém sobe ofegante e com a camisa suada no pódio da grande arte. É conveniente que essa ascensão ocorra de forma divina, envolta por uma atmosfera tão natural quanto um plácido lago povoado de ninfas.

Adriano De Aquino
Natal de 2010.

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